Neste momento pandêmico, em que assistir às milhares de mortes diárias no Brasil se banalizou, em que o vírus da Covid-19 atinge pessoas de diferentes faixas etárias e até pessoas saudáveis, o número de mortos por dia, aqui no nosso País, é o mesmo que os das mortes diárias durante a Segunda Guerra Mundial, o sentimento da dor de muitos é sentido por poucos e nos dá a dimensão da falta de sensibilidade e empatia pelo outro na nossa sociedade.
Meu principal ofício é formar pessoas e equipes. Neste período em que mudamos a forma de viver, o basquetebol voltou a ter a competição do NBB no segundo semestre no ano passado e realizou os jogos sem torcedores. Dedicamos toda a nossa atenção e cuidado aos nossos atletas, mas, mesmo seguindo protocolos rígidos, 12 dos 18 atletas foram infectados pelo vírus da Covid-19 ao longo da temporada, e toda a comissão técnica foi infectada.
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Eu e o Thalis, nosso gerente, fomos os que adoeceram mais severamente, fomos hospitalizados devido a complicações causadas pelo vírus. Houve o sofrimento de componentes do nosso time que perderam amigos e parentes muito próximos, o que abala a todos nós da equipe.
Em nenhuma partida tivemos a equipe completa ao longo da competição, isso aconteceu por conta de doenças e tempo para restabelecimento - cada qual tem o seu tempo, a cura é sempre um processo difícil.
A adaptação a esta nova forma de viver nos trouxe mazelas, mas, mesmo com tudo isso, nosso desempenho na competição foi muito bom, acimas das expectativas.
Os médicos que nos atenderam foram ótimos profissionais, assim como a equipe de profissionais envolvidos na área de saúde, como enfermeiros, fisioterapeutas, entre tantos outros, que nos deram muita força e principalmente esperança.
Sem falar nas minhas filhas que viraram noites e foram a minha fortaleza e ponte com os médicos, logística de exames, entre muitas outras requisições minhas. Minha mulher, que pegou um avião e veio para Fortaleza ficar e cuidar de mim infectado. Também tive o suporte e apoio de parentes próximos que me deram o auxílio no que estava ao alcance deles.
Casos como entorses, contusões musculares e fraturas assolaram nossa equipe, mas sempre tivemos estratégias e alternativas para recuperarmos nossos guerreiros, que se doaram 100% e até assumiram posições técnicas diversas das que eles estão habituados.
Sempre aconselhei cada jogador quando estavam doentes, disse a eles que se dedicassem exclusivamente à cura. Que fizessem uma reflexão sobre suas vidas, que visualizassem novas perspectivas para quando voltassem à ativa.
Durante o processo da cura, é importante se compreender melhor e aproveitar o tempo de descanso para se dedicar a cultuar pensamentos positivos e focar em ter uma vida mental e física saudável.
É importante entender suas limitações e respeitar o seu tempo de recuperação, que é individual e peculiar a cada organismo/indivíduo.
Muitas perguntas surgem quando estamos doentes: quando vou atuar novamente? A minha doença é mais grave do que parece ser? Como vou viver até voltar a atuar? Onde posso conseguir ajuda, a quem posso recorrer para me ajudar durante o período em que estou enfermo?
Se estas questões ficam sem respostas, isso nos traz ansiedade, frustração e estresse, o que atrapalha o processo de convalescência.
Recentemente fui diagnosticado com melanomas (câncer de pele) e estou em tratamento. Por sorte, ele está num estágio em que o tratamento é menos agressivo, fiz algumas cirurgias para retirada de partes da minha pele que estavam lesionadas, a última cirurgia aconteceu esta semana.
Durante a minha recuperação, tanto da Covid-19 quanto das intervenções cirúrgicas na minha pele, aproveitei para reavaliar minha vida, tomar decisões e planejar.
Durante este período constatei mais uma vez que tudo tem um lado positivo, tive a oportunidade de rever o passado e projetar o que quero para do futuro. Ao visualizarmos a cura, fortalecemos o nosso sistema imunológico, cardiorrespiratório e nosso corpo começa a responder bem a estes estímulos positivos enviados pelo cérebro.
Dentre os meus jogadores, o que sofreu a pior contusão foi o nosso craque Holloway, que foi acometido por uma dupla fratura na tíbia e por um edema ósseo no fêmur. Ele, que é um dos maiores pontuadores desta temporada do NBB, continua no topo da lista de cestinhas, mesmo não tendo jogado as nossas últimas cinco partidas do campeonato.
Perdemos o Holloway, que é o nosso principal jogador e também um dos melhores da competição, pouco antes dos playoffs. O nosso cestinha americano Holloway é uma fera que adora o Brasil e o nosso povo acolhedor. Ele está sendo tratado por nós do FBC da melhor forma possível para que volte a ter uma excelente condição física e mental para seguir com a sua vibrante e brilhante performance como nosso jogador na próxima temporada.
Desde o início da formação da minha equipe, vejo e mostro para cada componente e para os amantes do esporte, no meu caso o basquete, que o nosso time é um organismo vivo.
Quando olho para trás vejo o quanto conquistamos nesta dura temporada do NBB 20/21. Posso projetar boas perspectivas para o nosso futuro, já que superamos tantos obstáculos até hoje. O objetivo é melhorar a nossa atuação no próximo campeonato, apesar dos pesares nestes tempos de pandemia, com dores, adaptabilidade e flexibilidade.
Na minha autoavaliação, posso fazer um balanço final do nosso trabalho e dizer que a nossa participação nesta competição nacional foi boa e positiva, dentro das condições estruturais que temos. Ao observar a harmonia que se criou entre nós, que foi cultivada com afetividade, afinidade, generosidade, humildade, carinho e respeito, posso dizer que somos verdadeiros vencedores das adversidades pelas quais passamos, este é o espírito de um grupo campeão.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.