O Ceará vai fechar 2020 com registros de mais de 51 mil óbitos, incluindo todas as causas. Será um número recorde. Nunca se morreu tanto no Estado, que tem uma população estimada em 9.187.103 pessoas, segundo o IBGE. Só a Covid-19 já tirou a vida de quase 10 mil pessoas neste ano. Para se ter ideia da dimensão desse número, se 2020 fosse o ano de 1775, a população do Ceará estaria extinta.
Há 245 anos, a então Província do Ceará tinha cerca de 34 mil habitantes, segundo o trabalho de pesquisa do historiador Barão de Studart (1856-1938), publicado na Revista do Instituto do Ceará, em 1908. Era o século XVIII (18). E o ano de 1775 é usado por Barão de Studart como o início de uma evolução da população do Ceará. Depois da estimativa de 34 mil habitantes em 1775, o número salta para 100 mil no ano de 1783. Depois alcança 125.878 habitantes em 1808, totalizando 130.396 em 1810, 150.000 em 1812 e 200.000 em 1820.
Esses dados são citados na tese "Territórios em disputa: a formação territorial do Ceará de 1750 a 1822" (em pdf), apresentada por Ana Maria de Albuquerque no programa de pós-graduação em geografia humana da Universidade de São Paulo (USP), em 2018.
O ano de 2020 ainda não terminou, faltam os dados das próximas três semanas, mas já sabemos que no Ceará foram emitidos 51.519 óbitos neste ano, até agora, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, com base nos registros de óbitos lavrados pelos cartórios.
A mortalidade no Ceará está em alta nos últimos anos. Em 2019, o total de óbitos no Ceará somou 42.175, acima das 41.103 mortes em 2018, das 38.616 de 2017, das 28.153 de 2016 e, pasmem, 8.966 em 2015. Nos anos anteriores, não havia a pandemia do novo coronavírus para explicar esses números trágicos. Os crimes violentos, como homicídios ligados à disputa entre facções, predominavam. Em 2018 foram 4.518 casos relacionados aos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), referentes a homicídios dolosos/feminicídios, latrocínios e nas lesões corporais seguidas de morte. Em 2019, esse número caiu para 2.257 vítimas, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública.
Voltando no tempo, o aumento demográfico da província do Ceará, citado por Barão Studart, se deu devido aos fluxos econômicos e produtivos, numa época em que os indígenas eram aprisionados em aldeamentos.
"A população amplia na medida em que as vilas eram elevadas, a produção de charque e couro despontava; o algodão passava a ser produzido em maior escala e a concorrer no mercado externo; as vias de ligação melhoravam e a capital Fortaleza aglomerava uma diversidade de comércio", relata a tese de Ana Maria de Albuquerque.
No início do século XIX (19), o trabalho escravo indígena predominava em comparação ao escravo africano, se concentrando nas áreas ocupadas pela atividade da pecuária. "É o caso de Sobral, Aracati, Icó e São João do Príncipe (hoje Tauá), onde escravizados correspondiam a 30%, a 22%, a 17% e a 17,7%, respectivamente ao percentual da população total", registra o trabalho acadêmico.
"O comércio de gado se expandiu pela província e a inserção do charque no mercado colonial gerou a aquisição de capitais, o que aumentou a demanda pela mão de obra escrava e paralelamente despertou a cobiça dos homens de negócio do Recife", explica a tese.
Século após século, o Ceará, 8º estado mais populoso do Brasil e o 4º com maior número de vítimas da Covid-19, já tem a população equivalente a de países, como Israel (9,1 milhões de habitantes). Com a pandemia do novo coronavírus, o aumento das médias anuais de mortalidade atingiu o Planeta inteiro. Não há, no entanto, dúvidas de que melhores condições de vida, maiores investimentos em saúde pública e bem-estar social, são cruciais para maiores esperanças de vida de uma geração, independentemente do período histórico.
Veja também