Indefinição da Paquetá em Itapajé impede novos investimentos na cidade: 'Vamos ficar com fome'
Entre as 600 demissões que ocorreram este ano na unidade da Paquetá Calçados, em Itapajé, estava a do supervisor de almoxarifado, Orlei Braga da Mota, 47 anos, sendo destes 23 dedicados à empresa.
A primeira afirmação feita pelo homem, agora desempregado, é sobre a dificuldade que ele e os ex-colegas passarão por saírem sem direito a nada. "Sair, tudo bem, é normal diminuir o quadro. Mas da maneira que a gente saiu, sem direito a nada, aí, realmente, vamos ficar com fome".
No local, os ex-funcionários revelam uma falta de colaboração da Paquetá para que outra empresa assuma o espaço e os postos de trabalho. "Não tem o que impeça. É só um pouco de boa vontade da própria empresa (Paquetá) para tirar as máquinas, ficaria tudo de bom, ela continuaria trabalhando", diz o supervisor.
"A gente não quer que a empresa saia, a empresa tem um nome bonito aqui na cidade. Só que a gente precisa que esses dois galpões que estão parados sejam liberados para que as famílias tenham o direito de trabalhar dignamente e dar comida aos seus filhos", desabafa Orlei.
Questionado sobre o boato de uma empresa calçadista querer assumir o local, o ex-funcionário afirma que esse é "um fato". "A empresa já esteve aqui, falou com a prefeita e agora temos pressa, já que isso poderia ajudar muito, porque, com certeza, ela pegaria todo esse pessoal", opina.
Mota ainda explica que, naquela unidade, três galpões pertencem ao governo do Estado e um à Paquetá. Este último é um dos cedidos pelo governo ainda estariam em funcionamento, utilizados como almoxarifado e produção.
Empresa quer se manter no Estado
A Paquetá Calçados quer manter a produção em duas unidades fabris no Ceará. O interesse é continuar o trabalho nas cidades de Itapajé e Irauçuba. Nos locais deve ser dado seguimento à fabricação de calçados da marca própria da empresa, a Capodarte.
Falando com exclusividade para o Diário do Nordeste, a empresa gaúcha, que teve o seu processo de recuperação judicial encerrado no final do ano passado, deve apresentar até o final deste mês de março ao Governo do Ceará um plano para a manutenção da produção nestas unidades.
Segundo o diretor financeiro da Paquetá, Eurico Tatsch Nunes, para dar continuidade à marca Capodarte, de acessórios e calçados femininos, a empresa está com negociações avançadas na busca de um investidor. "O que manterá estas unidades fabris (Itapajé e Irauçuba) em funcionamento sob nossa responsabilidade".
Em dezembro de 2023, 138 pessoas foram dispensadas em Irauçuba. A unidade era chamada de ateliê por fazer parte do processo de produção do produto fabricado em Itapajé. Em visita a este segundo município, no mês de fevereiro, a reportagem do Diário do Nordeste se deparou com centenas de pessoas dispensadas pela Paquetá sem garantias de receber rescisão ou outros direitos trabalhistas.
Protesto pede saída da empresa
No sábado, 24 de fevereiro, um grupo de ex-colaboradores se reuniu em frente à fábrica da Paquetá de Itapajé para reivindicar o pagamento das rescisões e a saída da empresa dos galpões. Os participantes do protesto alegam que sem a Paquetá, outras empresas poderiam se instalar no local e absorver a mão de obra que agora está desempregada.
Além disso, fontes ligadas aos funcionários que continuam trabalhando na produção da marca Capodarte, afirmam que das cerca de 400 pessoas que continuam com suas funções mantidas, a metade também seria dispensada ainda neste semestre. As demissões teriam sido anunciadas pela gerência do local.
Auxiliar de produção da Paquetá por 11 anos, Lindomar Rocha Lima, 45 anos, no dia 1º de fevereiro saiu pelo portão da unidade de Itapajé pela última vez, com uma folha na mão que deveria ser a sua rescisão. "O contrato foi rescindido, mas sem expectativa de receber nada".
Ele foi um dos muitos funcionários da Paquetá que não assinaram os papéis e que terão que procurar a justiça para receber os seus direitos.
"Só resta pedir a Deus que ele abra uma nova porta. A gente vai viver de bico, não sei, mas infelizmente não tenho fé de receber nada daqui, nem com advogado. Se não pagaram agora, não vai pagar depois também".
Cinco pessoas dependiam do salário mínimo que Lindomar recebia. Ele conta que um dos seus filhos tem deficiência, mas que não receberia nenhum benefício do governo por conta do seu emprego formal. "Agora não tem mais nem o emprego e nem o benefício da criança. Fazer o que né?! É entregar nas mãos de Deus que ele resolve tudo."
"Me senti enganada"
Com 21 anos de empresa, a operadora de montagem, Edna Melo, 46 anos, se disse enganada pela empresa no momento em que foi decidida a suspensão do contrato de trabalho (layoff).
"A gente entrou em layoff e passamos cinco meses recebendo. Inclusive, enganaram a gente. Disseram que receberíamos do governo, que teríamos cinco meses de garantia depois, só que era o nosso seguro desemprego. Agora, não vamos conseguir receber".
Mesmo com mais de duas décadas de dedicação, ela não tinha ideia do quanto teria direito a receber. "Mas esperava que fosse alguma coisa que melhorasse alguns dias até a gente arranjar outro emprego".
Sobre o FGTS, a ex-colaboradora afirma que acabou precisando fazer saques-aniversário e que agora, contava apenas com a rescisão e o seguro de desemprego, que não terá, para se manter. Já questionada sobre a possibilidade de buscar na justiça os seus direitos trabalhistas, Edna comenta que "até isso está difícil". "Não tem advogado que queira entrar na nossa causa, até porque o dinheiro é pouco para eles".
Itapajé quer solução para desemprego na única fábrica da cidade
Conforme a prefeita de Itapajé, Maria Gorete Caetano, a situação na cidade é muito preocupante, já que esta é a única fábrica local. Por conta disso, ela afirma que há tratativas com a empresa Dilly Sports para assumir os galpões e os postos de trabalho antes da Paquetá. Porém, a não desocupação dos espaços pela empresa gaúcha seria o principal impeditivo.
"O que está impedindo a vinda da Dilly são os galpões, que são do governo e estão ocupados. O contrato da Paquetá com o Estado já está vencido e a Paquetá não desocupa os galpões."
Gorete reforça que, preocupada com a situação, esteve em reunião com a Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece) e com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Salmito Filho, por mais de uma vez. A agência expediu um ofício, no final de janeiro, dando o prazo 30 dias para a empresa gaúcha desocupar dois galpões que estariam ociosos com o fim da operação.
"Mas fui informada que nada disso está acontecendo, que as máquinas não estão sendo removidas e, inclusive, que estariam colocando mais objetos dentro dos galpões. Se eles já estivessem desocupados, a Dilly já estaria em Itapajé e os funcionários seriam rapidamente recontratados".
A prefeita ainda reforça que a Dilly já teria entregue toda a documentação necessária para se instalar na cidade. "Já está tudo ok. Na hora que desocupar os galpões, a chave será entregue à Dilly."
Ela apela para que a administração da Paquetá resolva esse impasse. "Gostaria de pedir que os gestores da Paquetá tenham piedade da população de Itapajé que precisa desses empregos".
Para que a desocupação ocorra, Gorete também oferece a estrutura da cidade para auxiliar a Paquetá na saída e reforça que a economia do município funciona em torno do que movimenta a fábrica. "A nossa população é qualificada e por isso temos esperança que tudo se resolva rapidamente".
A reportagem tentou contato com a Dilly Sports, mas não obteve sucesso. Com dez anos de criação, a empresa conta atualmente com uma unidade fabril em Brejo Santo, no Ceará, e uma filial no Rio Grande do Sul. Atualmente, são empregadas mais de 2,5 mil pessoas e no seu portifólio estão o licenciamento das marcas Mormaii e Öus, além da produção de marcas como Puma, Oakley, Skechers e Kappa.
O que diz o Estado e a Paquetá sobre os galpões
A Adece confirma que o prazo de 30 dias foi dado para que a Paquetá desocupe os galpões que não estão sendo utilizados para a geração de empregos na região, sendo o principal objetivo das estruturas físicas estaduais.
O diretor financeiro da Paquetá, Eurico Tatsch Nunes, confirma que a empresa foi notificada pelo Governo do Estado para a entrega dos pavilhões de Itapajé. "Porém, como disse, não temos a intenção de entregá-los em razão de nosso plano de retomada da Capodarte".
O secretário de Desenvolvimento Econômico do Ceará, Salmito Filho, reforça que o grupo Dilly já conversou com sua pasta e quer assumir algumas plantas industrias em Itapajé. Sobre os galpões da Adece, Salmito comenta que com a demonstração de interesse da Paquetá em ficar em Itapajé, o Estado trata com a empresa se poderia ser em apenas em um dos galpões, desocupando outros dois para que a indústria Dilly possa assumir e contratar parte da população que foi demitida no final do ano passado.
“Em Pentecoste tem outra empresa interessada, ou seja, tem outros objetivos em jogo que no momento ainda não posso falar. Muitas vezes o silêncio é para atender os investidores. Eles pedem confidencialidade e atendemos a esta legítima demanda das empresas que constroem estratégias”, diz.
Esta é a segunda reportagem de uma série que fala dos impactos da crise do grupo Paquetá no Ceará. Na próxima edição, o Diário do Nordeste traz a situação de três plantas que não possuem destino definido.