O que a prisão tem a nos ensinar sobre a quarentena - e vice-versa

"O homem é, sem dúvida, um animal resistente. Poderíamos defini-lo: é um ser que a tudo se habitua - e esta seria, talvez, a melhor definição a dar". Eis a impressão de Fiódor Dostoiévski, em suas monumentais "Recordações da Casa dos Mortos", sobre o tempo em que ficou confinado numa prisão siberiana. Outras obras literárias também retrataram magistralmente a experiência do aprisionamento, como "Memórias do Cárcere", de Graciliano Ramos e "O Cemitério dos Vivos", de Lima Barreto.

Guardadas as devidas e bem distintas proporções, atualmente temos experimentado uma espécie de cárcere.

Forçados a um isolamento residencial, mesmo no conforto do lar, a mudança radical de rotina certamente nos tem trazido sentimentos talvez inéditos de angústia e incerteza - além de um ócio que resiste em não ser produtivo.

Agora, também com todas as reservas que a comparação merece, podemos vivenciar, ao menos uma ínfima proporção, a privação da liberdade de ir e vir. Imaginem, então, o confinamento prolongado em um sistema prisional absolutamente insalubre, que deforma no lugar de reformar. Não podemos ceder ao pensamento simplista de que "mais bandidos presos representam menos bandidos em sociedade", afinal um sistema que só embrutece e degenera, mais cedo ou mais tarde, acaba expelindo de volta aqueles que perpetram a violência que sofremos diariamente.

Nesse cenário dantesco, os indivíduos continuariam sendo tragados irreversivelmente por um círculo vicioso permeado pelo mais pernicioso ócio, que só pode ser fraturado por uma política de Estado - e não meramente de Governo - que estabeleça, por exemplo, rotinas de estudos, trabalhos e ocupações diversas para os internos, adotando a disciplina e a ordem como instrumentos de rotina.

Não à toa, profissionais têm apresentado uma série de dicas para a manutenção de uma rotina que contribua com uma boa saúde mental durante a pandemia. Assim como não podemos nos habituar irrefletidamente a uma experiência de isolamento e quarentena, a mesma lógica deve ser levada ao cárcere, pois sem educação e trabalho nas unidades prisionais, o ócio esplêndido só contribuirá para a inutilidade do sistema.

 

Leandro Vasques

Advogado criminal e diretor da Academia Cearense de Direito