Além dos impactos sociais, na saúde e na rotina, o jogo compulsivo em bets e cassinos virtuais pode ter consequências jurídicas. Superendividamento de pessoas, desvios de custos sociais, término conflituoso de casamento e união estável, além de violência doméstica e patrimonial são alguns dos cenários possíveis na vida de quem se torna dependente das apostas. 

A série de reportagens "O vício no jogo" visa entender quem são as pessoas com compulsividade em relação a jogos de azar, apostas esportivas e cassinos online, além de indicar os sintomas do transtorno e como buscar ajuda. Este é o último conteúdo.

Com o aumento de adictos no Ceará e a regulamentação da lei 14.790/2023, a Defensoria Pública do Estado (DPCE) identificou um aumento considerável de casos de dependentes em jogos virtuais chegando ao órgão, que passou a atender pessoas com situações de superendividamento e violência doméstica, por exemplo. 

"Pode-se falar também em 'custos sociais' diversos do vício em jogos de azar, como, por exemplo, o desvio de renda que serviria para um sustento digno, para sobrevivência, como luz, água, moradia, remédios, alimentação, educação. Também tem sido possível observar [...] casos de problemas familiares. Então, [ocorrem] brigas entre casais, desfazimento de casamentos e de uniões estáveis relacionados ao vício em jogos de apostas. Também pode-se citar ainda como consequências jurídicas as questões relacionadas às necessidades de saúde", lista a defensora Clara Sampaio Lasserre.

⚠️ Atenção! O texto a seguir pode conter gatilhos emocionais. Pessoas com problemas de dependência ou vício em jogos podem recorrer a atendimento psicológico e psiquiátrico. Se, aliado a isso, você tem pensamentos suicidas, busque ajuda. O Centro de Valorização da Vida (CVV), por exemplo, oferece apoio por chat na internet ou pelo telefone 188.

A defensora lembra o acompanhamento de um caso de vício que resultou em violência doméstica e patrimonial contra a esposa do dependente. Clara Sampaio Lasserre relata que o homem pediu demissão do emprego e afirmou à companheira que a renda da casa viria de jogos. 

[Ele] disse para a esposa que esse seria o trabalho que ele exerceria. Naturalmente isso não aconteceu. Isso começou a ocasionar diversos desentendimentos dentro do matrimônio, e partiu para uma reação mais violenta por parte desse marido. [...] não é que o jogo ocasionou propriamente a violência. É claro que a gente sabe que a violência contra a mulher é sustentada por um conjunto de fatores da própria sociedade, não está relacionado com um homem específico. Mas, neste caso, foi possível ver que o vício em jogo foi de certa forma um fator e, talvez, o estopim para que essa relação se desorganizasse de forma a chegar no ápice da violência que foi a violência física propriamente dita contra a mulher
Clara Sampaio Lasserre
Defensora Pública do Estado do Ceará

Lasserre pede também que sejam criadas políticas públicas preventivas. "Está-se vendo mais recentemente uma movimentação do Governo Federal para instituir algumas limitações como, por exemplo, limitação no uso de cartão de crédito ou ainda limitação no uso do benefício do Bolsa Família, justamente porque tem se observado um aumento gigantesco na utilização dessa renda que deve servir para a existência de uma sobrevivência digna para as famílias, não para os jogos de apostas", frisa.

Ainda conforme a defensora, a prevenção é a "melhor saída" para evitar o aumento de casos. "A ideia é mostrar à sociedade, principalmente aos mais jovens, o quanto a prática de jogos de azar é perigosa e pode ser danosa para a saúde física, para a saúde mental e também para a saúde financeira", destaca. 

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social criou um Grupo de Trabalho para discutir o assunto, em 27 de setembro. A medida surgiu após uma nota técnica do Banco Central ter revelado que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas online, como bets e cassinos virtuais, via Pix, só em agosto. 

Quando procurar a Defensoria Pública

A defensora Clara Sampaio Lasserre destaca que a Defensoria Pública pode atuar de diversas formas para auxiliar adictos e os co-dependentes por ser, conforme prevê a Constituição, instituição "que visa a promoção dos direitos humanos e a tutela dos interesses das pessoas em vulnerabilidade".

Ela cita que é possível realizar "a tutela jurídica daquela pessoa no que concerne a possíveis situações de superendividamento, de proteção patrimonial e buscando o tratamento de saúde, o tratamento psicossocial necessário para aquele indivíduo".

Assim, pessoas com consequências judiciais causadas pelo vício em jogos podem procurar a Defensoria a partir do site oficial e pelos seguintes contatos telefônicos:

  • Alô Defensoria - 129
  • Ouvidoria da DPCE - (85) 3194-5066

No portal da Defensoria também é possível localizar a sede mais próxima do seu município para atendimento.