“O crime está um passo à frente do poder público”
Um ano e oito meses depois de ser afastado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), num escândalo que culminou com a CPMI dos Correios, Mauro Marcelo de Lima e Silva conversa, pela primeira vez, com um meio de comunicação. Em entrevista exclusiva ao Diário, ele fala de segurança e do site que terá.
Qual o objetivo do site que o senhor pretende colocar no ar? O que os leitores podem esperar, além de polêmica?
Não existe polêmica alguma. Não será um blog. Vou simplesmente tratar de assuntos policiais trazendo informações sobre o que está acontecendo de melhor sobre a atividade policial em outros Países, tais como equipamentos, novas técnicas de investigação, desafios enfrentados, novas tecnologias.
O senhor pretende revelar assuntos sigilosos referentes ao período em que esteve à frente da Abin?
Não, nem posso. Existem questões de confidencialidade e todas as informações que a Abin possui são direcionadas ao seu único “cliente” que é o presidente da República.
Quais os principais problemas que o senhor encontrou na Abin?
Existia uma disputa interna entre vários grupos, problemas salariais e de carreira, questões institucionais. A Abin como órgão de inteligência tem prerrogativas especialíssimas, mas o seu trabalho é anônimo, e isso dá falsa impressão de que ela não existe ou não faz nada. Puro engano. O nosso país possui riquezas que geram cobiças internacionais, exigindo um sobre-esforço da área de contra-inteligência. Havia ainda a dificuldade com recursos humanos, pois o efetivo do órgão estava aquém do ideal. Isso sem falar no extremo preconceito que parte da mídia e da população tinha a nosso respeito. Foi então que resolvi cunhar a expressão “Nova Abin”.
Como era essa ´Nova Abin´?
A expressão significava um conjunto de medidas, com o objetivo de conferir transparência, visibilidade e credibilidade à Agência junto à sociedade. A atividade de Inteligência no Brasil, ao longo dos anos, foi estigmatizada em razão de um período específico da história do País. Hoje, a realidade é outra. Nela, o exercício da Inteligência de Estado não tem, e não deve ter, a mínima conotação de organismo subordinado a interesses político-partidários ou ideológicos. Essa era a idéia da ´Nova Abin´.
Como especialista na área de segurança, que avaliação o senhor faz do avanço da violência no Brasil e do tratamento dado pelo poder público para o problema?
Lutamos contra uma massa criminosa já formada, que não entende outra coisa a não ser a repressão. Temos ainda um falido sistema carcerário. São 350 mil presos, num sistema que possui apenas 150 mil vagas e mais de 450 mil mandados de prisão em aberto. Existe uma frase retórica que é sempre lembrada nessas horas de que uma escola construída é um presídio a menos, mas, na atual conjuntura, precisamos, sim, é de presídios... e muitos.
Que medidas o senhor acredita que deveriam ser tomadas?
Talvez seja o momento de o Brasil adotar um sistema carcerário privado, desonerando o governo. Deveríamos ainda fazer uma mini-anistia para crimes de pequeno e médio poder ofensivo, desafogando o sistema carcerário, bem como o poder judiciário, mas, necessariamente, implementando um conjunto de regras e leis mais duras, enxugando o Código de Processo Penal. Não podemos ainda esquecer, ao contrário do que o presidente da República apregoa, que precisamos, sim, reduzir a maioridade penal. Não devemos discutir fatores criminológicos, numa tentativa de evitar que surjam novos criminosos, pois a massa criminosa, já formada, está aí e continua a delinqüir.
O senhor tem conhecimento da situação vivida atualmente pelo Ceará? Acredita que o avanço da criminalidade no Nordeste é resultado de uma onda migratória de criminosos, em decorrência do aumento da repressão ao crime na Região Sudeste?
Não podemos tratar o caso do Ceará como endêmico, o problema é global. A chamada migração criminal acontece em todo o País. O crime sempre está um passo à frente do poder público. Isso não é só no Brasil, mas em todo mundo. Mas o crime nunca vai acabar, ele é inerente a natureza humana. O que o poder público deve é deixar esse patamar num nível de tolerabilidade aceito pela sociedade.
O senhor costuma dizer que a mídia deu ´falsas interpretações´ a fatos ocorridos durante seu mandato. Poderia citar algum exemplo?
Como qualquer outra pessoa ou instituição, a mídia e seus jornalistas também erram. Antes de assumir a Abin, uma revista semanal fez campanha contra o meu nome, alegando que eu era amigo dos americanos e do FBI e não poderia dirigir a Agência, uma verdadeira exploração sensacionalista, sem o menor fundamento. Depois, oficialmente fui a Cuba tratar de questões envolvendo a segurança do Pan 2007, e aí, novamente, com excesso de imaginação, colunistas e jornalistas diziam que eu não deveria ter tido contato com os comunistas cubanos! Um absurdo.
Em seu site, o senhor fará algum comentário sobre o episódio do grampo dos Correios, ocasião na qual criticou parlamentares num e-mail que deveria ter circulado apenas entre os funcionários da Abin?
A questão dos Correios já foi amplamente explicada e discutida, não restando nenhuma dúvida sobre a correta participação da Abin no caso. Com relação à nota - ao contrário do que se disse na época - não houve um vazamento. Eu estava de férias fora do País, e, através de um computador no hotel onde estava hospedado, redigi uma nota de apoio ao meu funcionário e de repúdio aos parlamentares e mandei que fosse distribuída aos funcionários, encaminhando cópias a alguns amigos. Eu mesmo a tornei pública e sabia que os parlamentares poderiam tomar conhecimento das críticas.
O senhor se considera injustiçado pelo ocorrido?
Não. Cumpri um período de transição. A única coisa que lamento é que não tive tempo de concluir a reestruturação da Agência.
O senhor chegou a prestar serviços ao presidente Lula, quando ele ainda era candidato, e a amizade de vocês chegou a ser apontada como real motivo de sua indicação à direção da Abin...
A minha assunção ao cargo de diretor-geral foi por questões técnicas e não políticas ou eventual amizade.
E em relação às investigações sobre as atividades da Telecom Itália, o senhor pretende prestar algum esclarecimento através do site? O tema tem estado presente em jornais italianos, como, recentemente, no La Repubblica.
Tenho proferido muitas palestras e cursos por todo o País nos últimos anos, em especial quando o tema tratado é sobre crimes transnacionais e criminalidade eletrônica, seja para a iniciativa privada ou para instituições públicas e governamentais. Três meses antes de ir para Brasília, fui contratado por uma empresa de São Paulo, para ministrar cursos para a TIM (Telecom Itália) em todo o País, o que acabou não ocorrendo, por falta de tempo, pois assumi a Abin, ficando apenas a palestra inaugural dada no Rio de Janeiro. Qualquer fato, além disso, é mera especulação. A notícia do jornal italiano infere que eu só fui galgado ao cargo de diretor-geral por ter dado esse curso na TIM. Pura bobagem.
O senhor comandou a primeira delegacia de crimes virtuais criada no Brasil. Como o senhor avalia a atuação do País neste setor atualmente?
A minha experiência, empírica, tem demonstrado que a maioria dos crimes virtuais são praticados por crianças e adolescentes, movidos pelo desafio e pela superação do conhecimento. A criminalidade ordinária já descobriu que é mais vantajoso usar um computador para roubar do que uma arma. Os delitos estão aumentando, mas eu vejo também que as polícias por todo o País estão se preparando e se aparelhando para enfrentar o criminoso digital.
Que avaliação o senhor faz do serviço de inteligência prestado atualmente no Brasil, se comparado ao de outros países?
Guardadas as devidas proporções em relação a serviços de inteligência de outros países constantemente em guerra, eu diria que fui surpreendido com o eficiente trabalho desenvolvido pela Abin.
O senhor acredita que a sociedade conhece o verdadeiro papel da Abin ou a imagem da entidade ainda é vinculada ao Serviço Nacional de Informações (SNI) e aos abusos ocorridos no passado?
A percepção da mídia brasileira sobre a atividade de Inteligência no País é preconceituosa. Apesar de toda a abertura dada a imprensa na minha gestão, a Folha de S.Paulo insistia em chamar jocosamente a Abin de “SNI do Lula”. E a mídia acaba influenciando o senso comum negativamente. Os agentes são servidores do Estado e não são motivados por ideologias. Estigmatizar o trabalho da Abin é um erro primário.
Após comandar a Inteligência Brasileira, o senhor atualmente trabalha num setor burocrático da Polícia, o Centro de Execução de Cartas Precatórias, em Perdizes, zona oeste de São Paulo. Isso é uma espécie de castigo do PSDB pelo fato de o senhor ter trabalhado para o PT ?
Não enxergo dessa maneira. Todos sabem da minha condição apolítica e extremamente técnica. Estou cumprindo apenas o que é determinado pela administração superior da Segurança Pública em São Paulo, e desempenhando a atividade designada.
Que lições tirou do período em que esteve na Abin e que ainda aplica no combate ao crime?
Eu tinha uma visão da Inteligência Policial, a Abin me proporcionou uma visão mais abrangente da inteligência de Estado. Nenhum país – ou instituição – pode prescindir de um serviço de Inteligência, baseado no elementar princípio de se antecipar aos fatos, coletando informação e produzindo inteligência para assessorar o processo decisório.
FILIPE PALÁCIO
Repórter