Wanderléa canta com filha, descarta aposentadoria e lembra que Fortaleza foi 1º destino profissional

Ícone da Jovem Guarda realiza apresentação gratuita para o Dia das Mães. Reconhecida por clássicos como “Pare o casamento” e “Foi assim”, chegou a hora do público conhecer a obra da "Ternurinha" que vai além da Jovem Guarda

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Mineira começou cantando choros, ganhou fama com a Jovem Guarda e enveredou pela experimentação nos anos 1970
Legenda: Mineira começou cantando choros, ganhou fama com a Jovem Guarda e enveredou pela experimentação nos anos 1970
Foto: Jairo Goldflus

Wanderléa (77) é de uma energia incomum. Em poucos segundos de conversa faz questão de explicar o carinho pela capital cearense. Mineira, de ascendência libanesa, começou a cantar ainda criança e jamais parou. A família migrou para o Rio de Janeiro e o Brasil ganhou uma de suas notórias vozes na música. 

“No início da minha carreira, a primeira vez que saí do Rio profissionalmente foi a Fortaleza”, conta na maior das felicidades. O reencontro acontece nessa sexta-feira (6), às 19h30, no show gratuito em homenagem às mães, no RioMar Fortaleza.  

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Será uma noite de celebrações em família, convida. A apresentação contará com a participação especial da filha da cantora, a musicista Jade Salim. Na condução de orquestra e banda, o apoio será do produtor, guitarrista e marido, Lalo Califórnia.  

Os sucessos permanecem no imaginário popular. Inconfundíveis, temas como “Prova de Fogo”, “Pare o casamento” e “Foi assim” são pedidos certo dos fãs. No entanto, musicalmente, Wanderléa vai além da Jovem Guarda. Durante a entrevista, ela fala dos discos que o grande público poderia conhecer mais, as dificuldades com a pandemia e a alegria de gravar um álbum só de choros. 

Aposentadoria? Que nada 

A estrela revela que o contexto pandêmico foi difícil em todos os sentidos. “Para nós que fazemos arte é uma tristeza profunda estar fora. Desde pequena eu canto, faço shows presenciais, com o público grande ao redor, me senti triste, deprimida”, resgata.  

Diante das incertezas do período buscou um processo de profunda reflexão. Nesse ínterim, repensou as origens artísticas e de lá trouxe a pesquisa do álbum dedicado à arte do chorinho. Com o retorno gradual das atividades presenciais, as motivações se renovaram.  

Quando fiz o primeiro show com público voltou aquela garra. Antes pensei, ‘tudo bem, está na hora de aposentar...’ depois vi que era a falta do palco. Trouxe essa alegria. Não tem jeito, o meu lugar é no palco mesmo”
Wanderléa

Em seis décadas de carreira, a mineira guarda uma singular relação com a música brasileira. Para quem conhece a imagem da pop star e pioneira do rock nacional, é preciso entender que esse amor pelos palcos é a vida desta realizadora.

Tinha nove anos, quando atuou como crooner do Regional de Canhoto, conjunto de choro fundado em 1951. Anos depois, consagrou-se como a “Ternurinha” da Jovem Guarda e seguiu outro espírito sonoro a partir dos anos 1970. 

Wanderléa renasce 

Com os amigos e parceiros Roberto e Erasmo Carlos, Wanderléa sedimentou, vamos dizer, a “santíssima trindade” da Jovem Guarda. A atração televisiva batizou um dos mais influentes movimentos musicais do Brasil. Um processo de ruptura no comportamento, guarda-roupa e até na forma de falar da juventude. Porém, com o encerramento do programa a grande onda bateu na praia.  

Roberto Carlos enveredou pelo romântico. Em sintonia diferente à do “Irmão Camarada”, Erasmo criou o petardo “Carlos Erasmo” (1971) e iniciou um expediente musical diferente. Não foi fácil, mas Wanderléa também trilharia a luta por um caminho próprio.

Próximo trabalho reúne músicos como Alessandro Penezzi, Fabio Torres, Hamilton de Holanda e Egberto Gismonti
Legenda: Próximo trabalho voltado ao choro reúne músicos como Alessandro Penezzi, Fabio Torres, Hamilton de Holanda e Egberto Gismonti
Foto: Jairo Goldflus

Nos anos 1970, a Tropicália lufava outros ventos. O samba rock e a música black pediam passagem. Psicodelia e a cultura de expansão da mente davam o alerta de uma nova era. Cantar sobre “brotinhos” e “calhambeques” destoava um pouco diante deste cenário. 

A pressão das gravadoras queria enquadrá-la como cantora de baladas e rocks pueris. É quando a artista renasce. Ela grava “A Charanga” música que participa do 5º Festival Internacional da Canção Popular), “Chuva, Suor e Cerveja” (frevo de Caetano Veloso), "Pula, Pula", "Krioula" e "Mané João". A transição pós-jovem guarda se efetiva.

Feito Gente 

Da discografia, a mostra de novos ares musicais vem com o disco “Wandeléa Maravilhosa” (1972). A partir daí, o universo percorreu outros horizontes. Surgem interpretações de Jorge Mautner, Luiz Melodia, Gilbeto Gil, Ed Wilson, Djavan, Walter Franco, Sueli Costa, Gonzaguinha e outros nomes da novíssima MPB. 

Os arranjos exploram o blues, samba, choros, jazz, frevo, psicodelia, rock e black. Dores e amores tempestuosos passaram a ser temas cantados. Essa prolífica fase prossegue com os discos “Feito Gente” (1975), “Vamos que Eu Já Vou” (1977) e “Wanderlea: Mais que a Paixão” (1978).  

Capa do disco
Legenda: Capa do disco "Wanderléa Maravilhosa" (1972)

“Quando tenho oportunidade falo desse repertório muito rico, tão brasileiro. Do disco que fiz com Egberto Gismonti. Eram arranjos muito modernos para época”, compartilha. Para sorte do público, esses álbuns estão disponíveis nas plataformas de streaming. Há 10 anos, o selo "Discobertas" lançou caixa com seis CDs que reúnem essas pérolas.  

Em 2022, será hora de ouvir sua voz nos choros. “Me deu vontade de gravar um disco mostrando para esse público jovem, que não teve acesso à verdadeira cultura brasileira. Chorinhos, todos os temas brasileiros”, divide. 

Em Fortaleza, o encontro com as muitas “Wanderléas” será oportunidade única de acompanhar a arte e presença enérgica desta artista. O mundo carece ainda mais de ternura e Wanderléa segue firme em sua jornada de propiciar tal sentimento.   

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