O relator da CPI da Enel, deputado estadual Guilherme Landim (PDT), deve apresentar, nesta terça-feira (7), o relatório final das investigações contra a distribuidora de energia. O documento, que tem mais de 300 páginas, irá indicar irregularidades cometidas pela empresa e solicitar punições.
O parecer do relator, no entanto, precisa ser aprovado pelos membros do colegiado e, posteriormente, pelo plenário da Casa para poder ser enviado aos órgãos competentes. A expectativa é que as votações ocorram nesta terça, na comissão, e na quarta, no plenário.
A entrega do relatório final deve encerrar os trabalhos da CPI da Enel, que já dura cerca de nove meses. A criação da comissão começou a ser discutida ainda em 2022, depois da aplicação de um reajuste histórico pela companhia, de 24%, nas contas dos consumidores cearenses. O colegiado, todavia, só foi instalado oficialmente em agosto de 2023.
Confira abaixo a saga dos deputados desde a instalação até a conclusão da CPI da Enel.
Maior reajuste da história
Em abril de 2022, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou o reajuste tarifário médio de 24,85% da Enel Ceará. O percentual foi o maior aumento na conta de luz da história do Estado. À época, a concessionária atribuiu a necessidade do valor às perdas orçamentárias ocasionadas pela pandemia da Covid-19.
O Ministério Público do Ceará (MPCE) montou uma comissão para analisar o contrato de concessão da empresa e apontou que a justificativa apresentada para o reajuste não condizia com a realidade. "Pelo contrário, balanço contábil aponta crescimento do patrimônio líquido, capital social e das reservas de lucro", informava o relatório.
Diante do aumento histórico e de reclamações sobre a prestação de serviço da empresa, a pauta 'CPI' começou a surgir.
Em meio a isso, a empresa figurava como uma das piores de distribuidoras de energia elétrica do País, conforme dados do ranking de Desempenho Global de Continuidade (DGC), medido pela Aneel.
Em 2021, a empresa teve o quinto pior índice do Brasil, de 0,97. Em 2020, a pontuação foi a segunda pior do País e, em 2019, a Enel ficou na quarta pior colocação.
O DGC é uma relação do quanto o FEC (Frequência Equivalente por Consumidor) e o DEC (Duração Equivalente por Consumidor), estão próximos aos limites estabelecidos pela Aneel. Quanto menor o índice, melhor o desempenho da distribuidora em relação às metas.
Além disso, relatório do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon-CE), do MPCE, mostrou que, em 2022, mesmo ano do reajuste histórico, a empresa foi líder de reclamações no órgão. Ao todo, foram 4.410 queixas registradas devido à má prestação de serviço.
Anúncio de venda
Em meio a esse cenário, a Enel Ceará anunciou no fim de 2022 intenção de venda das ações no Estado. A notícia fez com que a pressão sobre os parlamentares cearenses aumentasse, uma vez que a companhia poderia deixar o Estado sem melhorar os serviços.
Parceria com a Câmara Municipal
Em meio a esse cenário, a Câmara Municipal de Fortaleza instalou, no início de 2023, uma Comissão Temporária de Acompanhamento e Fiscalização de Serviços Ofertados pela Enel, Cagece e Operadoras de Internet na Capital para apurar irregularidades da companhia. O trabalho era compartilhado com a Alece, MPCE, Defensoria e outros órgãos.
Em uma audiência realizada em junho daquele ano, o ouvidor da Enel Ceará, Rezinaldo Paes, afirmou que corte de energia tinha função de "disciplinar o mercado". O serviço, inclusive, era terceirizado e pago mediante efetivação.
"A empresa recebe de acordo com o número de cortes, não o trabalhador. (...) Mas tem um porém, eles estão desautorizados a cortar contas pagas. Essa operação é cara, a gente não quer ir lá cortar (a energia) do cliente. O corte tem uma função de disciplinar o mercado. (...) A gente segue aquilo que está no regulamento da Aneel, com esse olhar para o consumidor, mas com limites", afirmou Rezinaldo à época.
CPI protocolada
No fim de fevereiro de 2023, o deputado Fernando Santana protocolou o pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a empresa. O requerimento recebeu assinatura de todos os deputados da Casa.
No entanto, a instalação do colegiado ocorreu apenas em agosto, devido uma licença retirada por Fernando Santana do Parlamento Estadual. Como estava à frente dos debates envolvendo a empresa, havia tratativas para que ele presidisse a comissão — o que acabou ocorrendo.
Primeira oitiva
A primeira oitiva realizada pela CPI foi com o presidente da Agência Reguladora do Ceará (Arce), Hélio Winston Leitão, em setembro do ano passado. A Arce é a responsável por fazer a regulação dos serviços públicos prestados no Estado, inclusive da Enel, sendo conveniada à Aneel.
Todavia, durante a oitiva, Leitão afirmou que o órgão não tinha autonomia para fiscalizar a distribuidora sem autorização prévia da Aneel, o que teria contribuído para colocar a empresa como uma das piores concessionárias do País.
"A Enel era uma das melhores, hoje é uma das piores", avaliou, ao explicar que, de 53 concessionárias de energia em atuação no Brasil, a distribuidora está em 49º lugar no Índice Aneel de Satisfação do Consumidor Residencial (IASC), conforme dados de 2021.
Desde o início da CPI, a Enel reforça investimentos no Estado e se coloca à disposição da comissão para prestar esclarecimentos.
Mediação de conflitos
Em outra audiência realizada pela CPI em setembro, a diretora do Procon localizado na Assembleia, Valéria Colares, destacou que a intermediação de conflitos entre a concessionária e os clientes estava "difícil", uma vez que a empresa tinha mudado o protocolo de resolução dos problemas.
"Nós tivemos um problema porque eles (Enel) mandavam o corpo técnico, mas, nesses últimos dias de 2023, eles passaram a mandar só os advogados. Nós estamos recorrendo mais às audiências e ao Decon porque não há a resolução de imediato", explicou.
O Procon recebe queixas dos consumidores via internet ou atendimento presencial e inicia a etapa de Carta de Informações Preliminares (CIP), em que é dado um prazo de 10 dias para a empresa contornar o problema. Segundo a diretora, a concessionária de energia tem um nível de resolutividade nesta etapa entre 50% e 60%, um desempenho "médio", já que há empresas que chegam a índices de 90%.
Caso não haja acordo nessa fase, uma audiência é marcada. Segundo Colares, a distribuidora costumava enviar técnicos para solucionar as queixas apresentadas, porém, tinha passado a enviar advogados.
Visita a outras CPIs
Em outubro de 2023, os deputados estaduais foram visitar CPIs instaladas em São Paulo e no Piauí contra distribuidoras de energia. No caso do parlamento paulistano, a investigação também tinha como alvo a Enel. Já no estado vizinho do Ceará, a CPI analisava o desempenho da empresa Equatorial — que chegou a ser ventilada como uma das possíveis substitutas da Enel no Ceará.
À época, a Enel vinha negociando uma possível saída do Estado, com venda dos ativos em solo cearense. Todavia, em novembro, a empresa anunciou que as negociações estavam suspensas.
O intuito era recolher provas que demonstrassem semelhanças no serviço praticado pelas empresas. Posteriormente, eles levaram as denúncias e provas coletadas até a Secretaria Nacional do Direito do Consumidor e Aneel, em Brasília. Apesar dos esforços, não houve retorno sobre uma solução ou punição para a concessionária no Ceará.
Falta de energia no Réveillon
No fim do ano passado, o funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito foi prorrogado na Assembleia. O que os deputados não sabiam, naquele momento, é que em poucos dias já teriam mais intercorrências no serviço prestado pela empresa para investigar. Um dos problemas que repercutiu logo após virada de ano foi a falta de energia registrada em diversos municípios cearenses durante o Réveillon.
Membros da CPI, inclusive, chegaram a emitir uma nota de repúdio contra a Enel diante da "falta de informações" sobre os episódios ocorridos no Estado.
"Alguns municípios do litoral cearense, por exemplo, que tem no turismo importante fonte de renda, foram prejudicados, gerando enormes prejuízos a hotéis, restaurantes, turistas e comerciantes em geral, além da população local que teve eletrodomésticos queimados", dizia o documento, ao classificar a falta de energia como "um caos".
Alguns meses mais tarde, em abril deste ano, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), do Ministério Público do Ceará (MPCE), multou a Enel em R$ 10 milhões pela falta de eletricidade em alguns municípios durante o Réveillon. Moradores das praias de Canoa Quebrada, Icaraí de Amontada, Cumbuco, Flecheiras e Águas Belas chegaram a relatar mais de 48 horas sem energia.
De acordo com o Decon, a companhia infringiu pelo menos cinco artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), causando prejuízos aos consumidores no fornecimento de um item essencial.
A empresa atribuiu as falhas às chuvas que atingiram o Estado no período.
Falta de energia no Carnaval
A falta de energia no Réveillon não foi um fator isolado da Virada de Ano. Na Capital e em municípios da Região Metropolitana, o Carnaval foi de contrastes. Enquanto alguns brincavam sem preocupação na folia, outros tiveram dor de cabeça com a falta de energia após fortes chuvas atingirem a região.
Alguns moradores, inclusive, chegaram a ficar mais de 24 horas sem eletricidade.
No mesmo mês, o líder do Governo Estadual na Alece, deputado Romeu Aldigueri (PDT), apresentou um projeto de lei para obrigar a concessionária a informar, em tempo real, as interrupções nos serviços de energia elétrica, com detalhamento sobre falhas e providências para o reparo. O projeto é subscrito por outros 22 deputados e ainda está tramitando no Parlamento Estadual.
Assim como no Réveillon, a Enel Ceará também ressaltou interferências climáticas para a interrupção do serviço.
Incentivos fiscais de R$ 800 milhões
No início de março, a CPI realizou mais uma oitiva, dessa vez para escutar representantes da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
Diretor de Fundos, Incentivo e de Atração de Investimentos da Sudene, Heitor Freire alegou que a empresa deixou de pagar mais de R$ 800 milhões em impostos nos últimos 10 anos para que sua instalação fosse revertida em desenvolvimento no Estado — com geração de emprego, investimento em mão de obra qualificada e melhoria na infraestrutura, por exemplo. A expectativa, no entanto, não foi cumprida.
"É um imposto que poderia ser gasto em saúde, infraestrutura, ou seja, em algum benefício direto para a população, mas voltou para a empresa, e a gente, hoje, só escutou denúncias e precariedade. [...] São informações que a gente leva de volta para a nossa autarquia para reavaliar todas essas informações e até mesmo sugestões de como esses benefícios podem ser fiscalizados, cortados", ressaltou Freire à época.
Por meio de nota, a Enel informou que a redução de 75% do Imposto de renda Pessoa Jurídica (IRPJ) foi concedida pela Sudene em 2016, atestando "a modernização total do empreendimento da distribuidora, através de notas fiscais e vistoria física" e garantindo "melhoria no sistema de produção da companhia".
Reunião com Ministério de Minas e Energia
Em meados do mês de abril, membros da CPI foram até Brasília para se reunir com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), para apresentar um dossiê com problemas na prestação de serviço da empresa no Estado. O encontro foi mediado pelo governador Elmano de Freitas (PT). Deputado federais cearenses também participaram do encontro.
Após a reunião, o presidente da Comissão, Fernando Santana (PT), informou que o relatório final dos trabalhos da CPI seria antecipado para o início de maio. O objetivo é entregar o documento a tempo de subsidiar o Governo Federal na construção de uma nova legislação para concessionárias de energia elétrica, já que o parecer do colegiado deve detalhar as irregularidades identificadas na prestação de serviço pela empresa e solicitar sanções.
Oitiva com a empresa
No fim de abril, o colegiado realizou a oitiva com o atual diretor-presidente da distribuidora no Ceará, José Nunes de Almeida Neto. O executivo assumiu o cargo dias antes de ir depor para a comissão, em 4 de abril deste ano.
Pouco antes da oitiva, a CPI foi informada pela Justiça sobre um habeas corpus preventivo concedido a Nunes Neto, para que ele tivesse garantido o direito ao silêncio, a não ser compelido a responder qualquer pergunta de caráter sigiloso de terceiros, a assistência de advogados e ao direito de não ser obrigado a assinar termo de compromisso em dizer a verdade. Todavia, não se negou a responder nenhuma pergunta feita pelos membros da comissão.
Reconhecimento de falhas
Em diversos momentos da oitiva, José Nunes de Almeida Neto reconheceu "falhas" da empresa e reforçou o compromisso da companhia para resolver os problemas apontados pela população.
Na ocasião, ele afirmou que não é conivente com as incorreções e disse que a companhia está passando por uma reestruturação. O executivo destacou, ainda, que a empresa irá investir R$ 1,6 bilhão no Ceará nos próximos três anos para melhorar a prestação de serviço e aproximar a companhia do consumidor.
"Eu estou atrás da entrega, não apenas da promessa, então me comprometo com os senhores e senhoras que será uma busca incessante. Eu sei o quanto somos capazes, sei o quadro que a Enel Ceará possui, não nos conformaremos com o mediano, queremos estar entre as melhores distribuidoras do Brasil, o mediano não nos satisfaz, disse na oportunidade.
Venda no 'mercado paralelo'
Em um dos momentos da oitiva, o presidente da CPI, deputado Fernando Santana (PT), revelou que o colegiado investigava uma suposta venda parcial de equipamentos adquiridos pela distribuidora no mercado paralelo. Os itens, no entanto, deveriam ser destinados à melhoria da rede no Estado.
"Eles (Enel Ceará) teriam comprado R$ 700 milhões de equipamentos para manutenção (da rede no Estado) e estariam vendendo parte desses equipamentos no mercado paralelo. Por isso, o Estado do Ceará estaria sem manutenção. Nós estamos apurando essa denúncia, nós vamos questionar, direito nosso, nós estamos no finalzinho da apuração", afirmou o parlamentar.
A suspeita foi refutada pelo diretor-presidente.
"O que há, como em qualquer empresa, é que, muitas vezes, quando tem um equipamento - um cabo, um fio -, que se torna obsoleto para as atividades da empresa, ele é disponibilizado no mercado. Isso é comum no setor elétrico, em todos os setores, não apenas no setor de distribuição”, explicou posteriormente, em coletiva de imprensa.
Agora, a CPI da Enel irá analisar relatório final do relator Guilherme Landim para definir quais medidas devem ser adotadas pela empresa. Como o colegiado não tem poder para sustar o contrato de concessão da companhia, ele deve sugerir sanções a serem analisadas e aplicadas pelos órgãos competentes.