Editorial: O mundo às avessas

É tradicional a concepção do Carnaval como um mundo às avessas. Estudiosos que olharam para as manifestações populares da europa medieval emprestaram a esses fenômenos interpretações que, por mais estranho que pareça, dizem muito do mundo de hoje. Os festejos carnavalescos seriam o tempo de uma espécie de “segunda vida” do povo, contrário ao cotidiano. Quebravam-se, naquele período, hierarquias, regras e tabus. Imersos na festa, as pessoas “pareciam ter construído, ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida”.

Pode parecer estranho que se fale, em novembro, de carnavais. Ou ainda, talvez soe aleatório recuperar histórias que remontam à Idade Média e fazem de um mundo invertido. Contudo, tais referências se inspiram nas cenas, repetidas exaustiva e absurdamente, durante o período das campanhas eleitorais, com vistas às votações que ocorrem no próximo dia 15. O que se vê, em muitos casos, é uma manifestação mais próxima do Carnaval, com multidões festivas e muitas regras rompidas, caso do volume do som a escalar decibéis e os veículos que não mais respeitam números de passageiros, nem a forma apropriada de conduzi-los. 

Nada disso seria estranho ao período eleitoral, não estivesse o mundo atravessando um de seus momentos mais dramáticos, sob a ameaça de uma pandemia para a qual ainda não se tem cura ou vacina. É nesse sentido que não é exagero falar de um mundo às avessas. Ao cabo do período mais duro das investidas da doença sobre o corpo social - do que pode ter sido uma primeira onda, de outras por vir, que se registre -, a campanha eleitoral começou com promessas de respeito às regras que o momento exigiu. 
Não tardou que essas fossem ignoradas, quando não se incentivou justamente seu oposto. Numa das cidades da Região Metropolitana de Fortaleza, os candidatos que disputam os cargos majoritários convocaram seus apoiadores, no fim de semana, para eventos que se nomeavam blocos e bailes. Como se vê, não é exagerado evocar o Carnaval, num momento mais que inoportuno.

Cuidados sanitários como o uso de máscaras, o distanciamento social e uso de álcool gel e sabão para higienizar mãos e superfícies estão na ordem do dia do cidadão. São, hoje, parte de seu cotidiano. No mundo paralelo concebido por numerosos grupos políticos, de par a par do Estado, tudo isso é prescindível. É algo que se pode abdicar na corrida pela conquista de votos. Contudo, é mister lembrar que a inversão do Carnaval é temporária e das eleições carnavalizadas, necessariamente, também o serão. O problema sanitário persiste. O óbvio deve ser ressaltado: não está suspenso enquanto municípios renovam seus quadros no Executivo e no Legislativo.
Numa corrida eleitoral, se espera que candidatos apresentem suas credenciais, ideias e projetos para os cargos que pleiteiam. Quem promove aglomerações irresponsáveis, faz o oposto disso. Ignora as leis que, na condição de candidato, se compromete a cumprir e o bem-estar da população de quem almeja representar os interesses. Dá mau exemplo. O eleitor precisa estar atento para seu bem e para o bem do próximo, político e sanitário, e não apenas no dia 15 próximo.