O racismo mata no Brasil. E falar disso não é novidade. O brasileiro aprendeu a ser racista e assim é através das estruturas sociais de defesa ao opressor. No futebol, é comum quando um homem preto é ofendido e reclama. Logo, chega um branco para falar em ‘malandragem’ — como fez o técnico Mano Menezes com o volante Gerson na partida entre Bahia e Flamengo disputada no domingo (20). O caso tomou repercussão nacional e o debate voltou à agenda pública em diversas esferas.
A situação foi parar na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), do Rio, porque o atleta resolveu se manifestar contra o colombiano Índio Ramírez, responsável pela ofensa. O treinador e o árbitro Flávio Rodrigues de Souza também foram intimados.
Reprimir, silenciar, humilhar e até jurar de morte. Tudo existe no esporte mais popular do mundo, esse mesmo que tem como rei Pelé, outro preto. Em levantamento de 2019 com atletas das Séries A, B e C do Campeonato Brasileiro, quase metade (48,1%) admitiu ter sofrido difamação pela cor.
Por isso a necessidade do debate e também da punição para esse tipo de crime tão antigo no mundo e, ao mesmo tempo, tão atual. Para muitos velado, o racismo no Brasil está escancarado. A Constituição de 1934, por exemplo, pregava a eugenia (embranquecimento da raça). Como disse o grupo Racionais na música Negro Drama, “não é conto, nem fábula, lenda ou mito”.
A diferença aqui está no fim do silêncio. No espaço dos holofotes, voz ativa. Na covardia, resposta. A resistência latente passa por todos, por reconhecer o agressor e ser suporte ao inocente. E ver os clubes abraçando o movimento é norte diante da intolerância.
A empatia, então, surge como anseio principal nas relações. A troca, tão necessária no enfrentamento da Covid-19 e dos impactos da pandemia, deve ser a escolha basilar para um processo de humanização e respeito diante dessa cicatriz viva brasileira.
Como foi no marco histórico da Liga dos Campeões da Europa em 8 de dezembro. Após o camaronês Pierre Webó, ex-atacante e membro da comissão técnica do Istanbul Basaksehir-TUR, ser ofendido por um integrante da arbitragem, todos em campo saíram, incluindo o plantel do rival Paris Saint Germain-FRA. O confronto foi suspenso por um adversário maior.
A luta precisa ser diária e em todas as esferas sociais — para que um dia não haja mais a necessidade desse enfrentamento de correção histórica. Assim, a resistência é construída. Fruto social, o futebol pode ser uma ponte para um caminho reverso: é momento de silenciar o racismo de dentro para fora. Aos que ousam mudar o sistema, coragem.
Os exemplos são muitos, e o uso frequente da própria imagem — notoriedade herdada pelo esporte — para relatar a experiência funciona como chama para a grande discussão. É fato: ainda faltam mecanismos de proteção às vítimas, políticas internacionalizadas nas entidades de organização. Ao se rebelar, por vezes, os alvos adentram em outra jornada, a de perseguição também fora de campo. De ‘boas intenções’ o ambiente racista está cheio. A mudança cultural é árdua, mas a resposta nasce na resistência: nossa, enquanto sociedade, e de todas as vítimas da briga pela liberdade.