Incertezas na cultura

Um ano em que a arte e a cultura tenham um papel no diálogo da retomada da nossa vida”. Com essa mensagem, o rapper Nego Gallo, da comunidade do Moura Brasil, em Fortaleza, fez seus votos para 2021, em entrevista publicada na última quarta (16), no Diário do Nordeste. 

O desejo do artista é a vontade de muitos agentes e profissionais do setor cultural. Se antes da pandemia a área já sofria por questões básicas de direito à política pública (como o descumprimento do percentual orçamentário previsto por lei), durante o período da disseminação da Covid-19, a cultura passou a respirar por aparelhos.

Para se ter uma ideia mais factível de como o setor ficou limitado com as restrições da pandemia, a 30ª edição do Festival Cine Ceará, realizada neste mês de dezembro e histórica para o calendário cultural do Estado, só pode contar, por dia, com um máximo de 144 lugares disponíveis para o público que compareceu ao Cineteatro São Luiz. A capacidade normal do cinema é de receber 1.050 espectadores sentados.

Não cabe questionar os protocolos de biossegurança articulados para limitar a frequência de público nos equipamentos culturais neste momento. A situação do Ceará quanto ao contágio da Covid-19 ainda é grave — com mais de 320 mil casos e de 9.800 óbitos confirmados. 

No entanto, paira sobre o setor cultural níveis de incertezas alarmantes, enquanto a sociedade se despede de 2020 e ingressa em 2021, dado o sinal de que a área não goza do mesmo prestígio político — para promover uma retomada mais firme — diferente de setores da economia cearense como a indústria ou o turismo, por exemplo.

Até então, o Governo Federal bateu o pé sobre o fim da liberação do auxílio emergencial da Caixa Econômica Federal — saída que deu um fôlego para a economia desde abril passado, mediante o pagamento de R$ 600 mensais aos trabalhadores informais de todo o País. A cultura ganhou uma ajuda emergencial pela Lei Aldir Blanc, que distribuiu recursos para as secretarias do setor, municipais e estaduais, a fim de bancar projetos “executáveis” em relação às restrições de circulação impostas pela Covid.

No Ceará, a classe artística e cultural deve virar o ano com o respiro da Aldir, mas tendo que internalizar um mantra já propagado a esmo pelas redes sociais a toda sociedade em 2020: “calma, um dia de cada vez”. Aos artistas, resta a paciência e toda a criatividade para se manter em um cenário tão instável, tendo em vista que, embora em Fortaleza a gestão de Sarto Nogueira represente continuidade à de Roberto Cláudio, a política cultural do município deve passar por mudanças de direção, com, no mínimo, um novo quadro de pessoal à frente dos projetos da área. 

A considerar os trâmites de distribuição da vacina da Covid-19, a recuperação de setores, como a cultura, que dependem da movimentação e reunião de público, ainda deve ser lenta em 2021. Além disso, o setor faz questão de preservar a memória de como o poder público tem sido negligente, historicamente, com a questão bem antes da crise pandêmica. No Brasil e no Ceará, o reconhecimento de um “excesso de demandas” na área é necessário para que, garantindo um direito constitucional, a população possa usufruir de uma política digna de acesso à cultura.


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