Editorial: Tradições mantidas

Comemora-se, hoje, no Brasil, o Dia do Folclore. A data, de inegável relevância, confere maior notoriedade sobre a identidade de uma nação tão multifacetada, em que se proliferam distintas manifestações culturais em cada recanto. São narrativas e costumes passados de geração em geração, vivenciados de forma individual ou coletiva, e que, embora distantes dos registros da história dita oficial, emergem como ricos instrumentos de compreensão e representação das particularidades do povo brasileiro.

Haja vista a cultura tradicional ser baseada na celebração do encontro, muitos ajustes tiveram que ser feitos devido à pandemia do novo coronavírus para que tradições, por vezes milenares, pudessem continuar acontecendo. Os exemplos são vários. No último dia 15 de agosto, a Festa de Iemanjá em Fortaleza precisou ganhar novo formato, como evento público. Costumeiramente reunindo milhares de pessoas em trechos do litoral da cidade, o evento reforçou a fé e adoração no meio digital, incluindo, na programação, ritos como apresentação de afoxé e rodas de diálogo.

Em junho, 15 povos indígenas do Estado também se articularam para disseminar saberes e práticas. Com apoio da Secretaria da Cultura do Ceará, o projeto intitulado "Ceará indígena em aldeias virtuais" teve como foco primeiro dar subsídio à campanha de solidariedade realizada pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (FepoinCE), na qual as etnias locais seguem empenhadas para o enfrentamento aos efeitos da pandemia nos territórios que habitam.

Não faltaram, contudo, formas de expressão em várias linguagens artísticas, do documentário ao ensaio fotográfico, passando por contações de histórias e depoimentos de mestres da cultura. Maneiras de seguir resistindo em meio ao distanciamento, unindo a sabedoria ancestral com recursos do virtual.

Outra iniciativa governamental, por meio da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), diz respeito ao Portal Cultura Dendicasa, criado para disponibilizar conteúdos artísticos na web neste momento de pausa compulsória das atividades do setor. No panorama de projetos, também estão inclusas manifestações de cunho intuitivo. O Mestre de Danças Tradicionais Seu Nenem, do município de Cedro, por exemplo, partilha, por meio de vídeo, as minúcias de Danças Populares, Maneiro Pau e Reisado. Outras expressões, como causos, cordéis, o teatro do "Casamento Matuto", típico das festas juninas, e até a história do surgimento do Coco de praia do Iguape, igualmente podem ser acessados de forma gratuita.

Assim, apesar de um contexto tão difícil, a força da cultura popular persiste e ainda muito encanta. É reflexo da obstinação de tantos: não dá para calar. São práticas que devem ser amplamente valorizadas, agora e adiante. Não à toa, o folclore é considerado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Patrimônio Cultural Imaterial e segue, nas palavras de Luís da Câmara Cascudo, maior folclorista brasileiro, influenciando e denotando sua relevância: "A memória é a imaginação do povo, mantida comunicável pela tradição, movimentando as culturas, convergidas para o uso, através do tempo".


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