Editorial: O espírito solidário

Há quem duvide das boas intenções que, tradicionalmente, povoam dezembro. O fim de um ciclo – bem delimitado pela contagem temporal do conjunto de 12 meses – é convidativo a se olhar para o começo deste, retomar seus movimentos e avaliar a forma como tudo se desenrolou. A intenção de corrigir e o desejo de mudança têm influência da certeza do começo, em pouco tempo, de outro ciclo.

Ainda que haja razão no entendimento de que não seja necessário protelar revisões de posição, mudanças de rumo e melhorias no convívio com seu ciclo social, não é razoável ignorar ou criticar a época do ano que, pelo menos em discurso, esta disposição se massifica. Antes, deve mesmo ser incentivada. O filósofo francês Jean-Paul Sartre traduziu com cruel exatidão a interdependência das pessoas, destinadas a viver em sociedade e a conviver umas com as outra. “O inferno são os outros”, escreveu o pensador existencialista.

Não falta quem pense o mesmo, com sinal invertido. Que é nos outros que se pode encontrar algo próximo ao paraíso e que é preciso cultivá-lo. A solidariedade é a disposição para a vida em sociedade, assumindo com o compromisso de enfrentar males que, por vezes, atingem apenas o outro. É irmão da compaixão – esse sentir junto, sentir como se fosse seu as dores que são de outrem.

Outro pensador francês – o semiólogo Roland Barthes – já falou sobre ela, descrevendo-a como uma “simpatia” com o outro, “um bem que não tem necessidade de qualquer justificativa – política ou religiosa – para reunir os homens e fazê-los viver”. O espírito solidário manifesta o melhor do gênero humano, que se reconhece como tal, e se empenha numa articulação entre pares para que, com forças combinadas, seja possível superar os males humanos (a violência, a consequência da má política) e inumanos (as calamidades ambientais, epidemias, doenças incuráveis). 

Ser solidário é decidir-se pela soma, com o outro que precisa, com os outros que estão dispostos a contribuírem para cenários mais auspiciosos para a vida em sociedade. É trocar a solidão pela consciência de que ela, para ser saudável, em âmbito pessoal e social, precisa ser momentânea. É entender que se vive de forma interdependente. 
Com o objetivo de ajudar a criar uma corrente de boas ações, no sentido de promover a solidariedade no Ceará, o Sistema Verdes Mares lançou, neste mês de dezembro, a campanha Seja Luz. O movimento catalisa boas ações, como o voluntariado, incentiva a doação a instituições de caridade e busca dar visibilidade a iniciativas que encarnam bem este espírito.

Trata-se de ato de cidadania, num sentido amplo. É ir além dos deveres que as leis imputam, para ajudar a garantir os direitos que todos deveriam ter. Envolve, muitas vezes, o Estado, mas floresce bem no seio da sociedade – seja apoiada em suas instituições privadas, seja no entusiasmo individual de pessoas extraordinárias, capazes de se doar em benefício do bem comum.

Toda hora é oportuna para se olhar aos próprios atos, às capacidades que se tem e indagar sobre o que é possível fazer para se alcançar um mundo melhor, tenha esse mundo o tamanho que for, tantas e tão importantes são as causas que alimentam o espírito solidário.