Editorial: Números e fatos

O Governo do Ceará anunciou nesta semana que obteve a diminuição de 50% nos indicadores de crimes violentos letais intencionais entre os dois últimos anos. São classificadas assim ocorrências nas quais havia o objetivo de matar e, com efeito, se mata. Deve-se reconhecer que a realização do Estado é extremamente positiva e com reflexos futuros presumíveis – entre os quais, a adição de uma possível sensação de segurança da qual a sociedade há anos não usufrui. Em 2019, a Secretaria da Segurança contabilizou 2.261 casos de homicídio, enquanto no ano anterior verificaram-se 4.518.

No mesmo dia em que se anunciaram os números, no entanto, um feminicídio em Fortaleza causou comoção pela forma brutal como que ocorreu: no viaduto do bairro Antônio Bezerra, um homem atirou na esposa e a empurrou do carro em movimento. Ela ainda chegou a ser socorrida para um hospital, mas teve morte cerebral. Deixou dois filhos do casamento com o assassino. Foi na mesma data que se marcaram 10 anos da morte da menina Alanis Maria, em Fortaleza, sequestrada e abusada por um maníaco sexual.

Em outras cenas, um comerciante foi encontrado morto a tiros em Pacajus e um homem foi abatido por bala perdida em Maracanaú. Não é exagero, então, afirmar que crimes assim nublaram o panorama que se desenhava no meio público. A frieza das estatísticas pode mesmo, de muitos modos, oferecer perspectivas novas para o cidadão. Além de compor um quadro inegavelmente relevante, com respostas às graves aflições coletivas, o conjunto de dados é permeado por uma retórica politicamente interessante, capaz de abastecer falas elogiosas de aliados e de esfriar críticas de adversários.

E isso não é fenomenal, diga-se. O aplauso, em bases racionais, não é um gesto extraordinário ou reprovável. Desde sempre os governos acenam com ações e discursos otimistas sobre esse e outros setores e nunca deixarão de fazer assim. Parafraseando o axioma clássico: a propaganda é a alma da política. É fato, sim, que não se pode deixar de atentar para o decréscimo de índices tão preocupantes. Trata-se, sob qualquer análise, de um intento auspicioso e caracterizado pela eficiência que o cidadão tanto reclama. Os agentes envolvidos nesse processo de redução precisam verdadeiramente ser parabenizados e reconhecidos.

Mas, com esse mesmíssimo diapasão, é necessário que se afinem os instrumentos que tocam preventivamente as pautas da segurança e do respeito. Ou seja, aqueles por meio dos quais se pode alterar uma cultura deletéria que historicamente dizima vidas e famílias.

Isso se pode implementar por meio das escolas, das entidades sociais, das igrejas, das associações de bairros: são muitas as plataformas. Basta, evidentemente, que se tenha o objetivo de conscientizar e de eliminar as mazelas comportamentais que, enraizadas na vida coletiva, permitem que haja opressão dentro dos lares. Sistemas penais e judiciais rigorosos e competentes, com toda a valia que possam ter, jamais serão mais razoáveis e inteligentes do que a educação.

É preciso e possível mudar a realidade que se oculta sob os números. Só assim, se conseguirá dar fôlego à esperança.