Editorial: Judicialização da Saúde

Doenças se interpõem ao curso da vida, não como pedras no meio do caminho, pois suas reais dimensões e a forma de contorná-las são imprecisas. Em certos casos, não se sabe, mesmo, se o obstáculo pode ser transposto. São a manifestação limite das incertezas. No caso dos problemas de saúde, trata-se de lacunas com as quais não se pode conviver; é imperativo buscar respostas, sob pena de ser surpreendido por alguma fatalidade.

Por anos seguidos, a saúde tem figurado em pesquisas como a prioridade dos brasileiros, no que diz respeito às suas expectativas em relação ao poder público. Levantamentos feitos por organizações privadas e mesmo pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério da Economia, chegam a igual resultado, com a área desbancando outras, como a educação, o emprego e a segurança pública.

Não é surpresa, portanto, que o sistema de justiça tenha se tornado palco de movimentações diversas, tanto de entidades da sociedade civil organizada, como de cidadãos solitários, em busca de soluções para problemas graves de saúde. Por vezes, o que falta a certos tratamentos não são possibilidades clínicas e conhecimento médico, mas condições objetivas para se ter acesso a eles. É a medicação que não está disponível ou a inexistência de uma vaga de UTI quando se precisa dela, para citarmos apenas dois exemplos. 

Os números são superlativos. Dados do Núcleo de Estudos e Pesquisas (Nuesp) da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), considerando apenas o primeiro semestre deste ano, mostram que o Núcleo de Defesa da Saúde da entidade recebeu 3.779 solicitações na área. Do total de pedidos, 44,87%, o equivalente a 1.696, foram resolvidos de forma administrativa.

No topo da lista dos pleitos mais recorrentes estão as solicitações de alimentação especial, fraldas, cirurgias, exames e medicação para pacientes diagnosticados com câncer. Mais de 60% dos pedidos feitos entre janeiro e junho eram de demandas por consultas médicas, realização de exames e acesso a medicações.

As soluções judiciais visam corrigir uma situação que ameaça vidas, mas não alcança as estruturas. Operam mudanças pontuais. Solucionam-se casos particulares, ou de pequenos grupos, conforme o cidadão reclama, na Justiça, o cumprimento do que diz a Constituição Federal, no que toca a garantia a seus direitos básicos.

São razoáveis as posições em jogo: daqueles que buscam meios para, em casos limites, salvar vidas, recorrendo aos meios legais de fazê-lo; da Justiça, que avalia o mérito das demandas e, quando reconhece a validade destas, as atende e pede celeridade no cumprimento de suas decisões; e das administrações dos sistemas de saúde, preocupados com os limites dos próprios recursos, que são, por óbvio, finitos. 

A solução, contudo, não é a melhor. É provisória e, ao mesmo tempo, faz as vezes de alerta. Chama atenção para problemas existentes, de natureza estrutural, que requerem medidas previdentes. Exige habilidade administrativa e otimização de recursos, em tempos difíceis, do ponto de vista orçamentário, para todos os entes públicos. Tarefa difícil, que requer enfrentamento. O anseio da população assim exige.