Editorial: A nova normalidade

Secretário do Tesouro Nacional, o economista cearense Mansueto Almeida foi claro ao anunciar que, no restante deste exercício de 2020, o esforço do Governo Federal pelo ajuste das contas públicas deixou de ser prioridade. Mais urgente e incontornável, entende-se, é o combate à pandemia do novo coronavírus e suas consequências em diversas frentes. Em tal entendimento, predominam a razão e o compromisso com o bem-estar da população. A pandemia é uma tragédia sanitária, catalisadora de crises econômica e financeira, que segue destruindo vidas, empresas e empregos em todo o mundo.

Até agora, somados todos os recursos extraordinários e extraorçamentários criados pelo Executivo, aprovados pelo Legislativo e já liberados para o Ministério da Saúde, para os estados e os municípios e, também, para quase 50 milhões de pessoas que perderam renda em consequência da crise virótica, o Tesouro Nacional, como revelou seu secretário, já gastou perto de R$ 1 trilhão. Resultado: o déficit orçamentário - que em janeiro era de R$ 125 bilhões - saltou para R$ 700 bilhões, com viés de alta.

Não surpreendeu, pois, a queda de 1,5% do PIB do primeiro trimestre deste ano. Esse tombo será bem maior neste segundo trimestre que se encerrará no próximo dia 30. Estimam os economistas que a nova redução será de, no mínimo, 4%, o que ratificará a constatação de que a economia brasileira está mergulhada em sua maior e mais grave recessão. Há previsão de que, no terceiro e no quarto trimestres - retomadas todas as atividades econômicas, parte das quais continua interditada pelo isolamento social imposta pelos governadores e prefeitos, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal - o PIB inicie a etapa de recuperação, que será, todavia, sobre uma base altamente comprimida. Para que a economia retorne aos índices de crescimento registrados antes da pandemia, haverá um longo e difícil caminho a palmilhar.

Há gargalos a enfrentar. A indústria do aço reclama de uma retração de 40% e pede socorro ao governo da União, alegando que, com 13 altos fornos paralisados, o setor pode ser ainda mais prejudicado pela concorrência da China e da Coreia do Sul, cuja atividade industrial reaqueceu. Os dois países importam do Brasil o minério de ferro que é lá beneficiado e em seguida, com alto valor agregado, exportado para a sua origem em forma de aço plano com preço competitivo, ameaçando as siderúrgicas brasileiras. Outras cadeias produtivas nacionais - algumas das quais se acostumaram mais aos incentivos governamentais e menos à busca da produtividade - também temem a concorrência chinesa.

Os que trabalham e produzem já sabem que a retomada da atividade será lenta. Não só no Brasil, mas no mundo, o consumo das pessoas caiu, os hábitos de comprar mudaram, há um novo mercado de trabalho sob pesquisa de especialistas e uma nova relação entre as empresas com seus fornecedores e clientes. Até os governos - cujas receitas estão a cair, e cairão mais ainda - terão de correr para apurar o melhor significado dessas mudanças. O desafio de encarar a nova normalidade mexe, principalmente, com a criatividade dos que lideram as nações e as grandes corporações empresariais, cuja capacidade de resposta é exigida neste momento.


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