Vacina de mãe

Escrevo esta coluna sob forte emoção: minha mãe acaba de ser vacinada em Juazeiro do Norte, no Cariri - o centro do universo -, Ceará, Nordeste do Brasil. Maria do Socorro de Sá Novais, 79 anos, tomou a primeira dose da Coronavac e aqui celebramos em nome do SUS e da sustança de tocar a vida. Que venha a segunda dose.  

A barra está pesada, mãe, o Brasil acaba de alcançar a marca das 300 mil mortes por Covid-19. É mais do que toda a população desta mesma Juazeiro  (276 mil habitantes, dados de 2020) onde moras.

Viva a vacina e siga no isolamento, cuidado com os parentes tranquilos e os crediaristas sem máscaras que batem à porta no bairro do Limoeiro.  

Não há outra saída nessa hora. E lembre aos teimosos e negacionistas, dona Maria do Socorro, o exemplo do Padre Cícero. Ainda em 1918 e 19, durante a peste espanhola, o então prefeito da Meca do Cariri ordenou que o povo se trancasse em casa até a desgraceira ser varrida da face da terra - leia a reportagem histórica de Antonio Rodrigues neste Diário do Nordeste.  

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A sorte é que temos governadores com algum pingo de juízo para frear a desgraceira. Dependesse apenas das marmotas de Brasília, só nos restaria seguir “a aritmética hedionda dos coveiros!”, como nos versos mal-assombrados do poeta punk-gótico Augusto dos Anjos: “Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,/ Porque, infinita como os próprios números/ A tua conta não acaba mais!” 

Aritmética macabra como a que adotou o novo comando do Ministério da Saúde. Pela exigência burocrática do novo modelo, caríssimo Augusto, teremos atraso na contagem e possível ocultação de dados. Só tem Mandrake nesse gibi bolsonarista, meu poeta. 

Calma, rapaz, retome a emoção da vacina materna, reabasteça esse Édipo caririrense mais uma vez e evite abalos no sistema nervoso. Pelo menos hoje. Tente manter a sanidade diante do noticiário. Brevemente, quem sabe em setembro, nos 80 anos de Maria do Socorro, pode acontecer aquela festa para gastar todos os beijos e abraços proibidos na quarentena. Tomara, meu Deus, tomara. 

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.