Um apocalipse adiado e o recomeço do mundo em Campina Grande

Legenda: VI Feira Literária de Campina Grande
Foto: Reprodução / Instagram @flicfeira

A primeira vez que fui a Campina Grande tinha como missão fazer uma reportagem sobre os Borboletas Azuis, grupo de religiosos que previa o fim do mundo para os anos 1980 — contei essa saga em colunas anteriores aqui mesmo no Diário do Nordeste. O apocalipse não veio, apesar do planeta viver todo esse desmantelo e estar mais quente do que uma coivara no inferno.

No retorno à Rainha da Borborema, na semana passada, o que vejo é a recriação do universo, como se a humanidade surgisse ali, na beira do Açude Velho, no capricho de uma HQ (história em quadrinho) desenhada por Mike Deodato Jr, com roteiro de Bráulio Tavares, dupla de extraordinários filhos da terra.

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Eu vi o mundo (em sonho) e ele recomeçava em Campina Grande, com o maior show de improviso de todos os tempos, sob o comando da repentista paraibana Maria da Soledade, lenda da cantoria, capaz de bater a macharada inteira no desafio da viola. Minervina Ferreira, outra gigante do ramo, testemunhava tudo lá de cima, na rara rima dos murundus celestiais.

Ainda no mesmo plano sequência, o diretor Amin Stepple, gênio campinense do cinema, filma “Gótico nordestino”, na versão de um poeta cego de Mandchúria, o velho bairro chinês da cidade. Cristhiano Aguiar, o conterrâneo autor do livro mágico, apreciou a viagem no tempo.

O delírio deste cronista é motivado, óbvio, pela VI Feira Literária de Campina Grande, a Flic, que começou dia 11 e foi até sábado (18). Toda festa de letras é um ato de heroísmo, a gente sabe como é difícil incentivar a leitura nesse país. Palmas, portanto, para os organizadores: Iasmin Mendes, Stellio Mendes, Audemar Ribeiro, Hilmaria Xavier e Carla Teíde.

Na mesa, com o mote “Nordeste Ficção e Nordeste Real”, fiz minha missa de corpo presente, em bate-papo com o escritor Thélio Farias. Em uma noite em que o mundo pegava fogo, como na previsão dos Borboletas Azuis, a cidade curtia o ventinho serrano no Quintal Cultural de Tenebra.

Voltei para a lida sudestina com o personagem do livro “O que pesa no Norte” na cabeça — havia encontrado o autor, Tiago Germano, nos labirintos da feira. O romance, concorrente ao prêmio Jabuti 2023, vale cada légua de procura e desencontro.

Sim, é isso mesmo, o escritor paraibano tirou o belíssimo título da fiel balança poética de Belchior, precisamente da faixa “Fotografia 3x4”, cante comigo, de cabeça: “Pois o que pesa no norte, pela lei da gravidade/ Disso Newton já sabia, cai no sul grande cidade/ São Paulo violento, corre o Rio que me engana/ Copacabana, Zona Norte/ E os cabarés da Lapa onde eu morei...”

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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