Tirem as crianças da sala: cenas fortes do Brasil 2021

Legenda: O flagrante do fotógrafo João Paulo Guimarães, se traduzido em palavras, seria uma improvável mistura de um conto de Charles Dickens com o auto de Natal “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto
Foto: João Paulo Guimarães / AFP

Uma imagem vale por mil palavras. Gastarei aqui outras mil e uma e não conseguiremos chegar à conclusão sobre a foto/vídeo que representa o ano de 2021 no Brasil.

Cenas fortes, tirem as crianças da sala. Vamos começar pela última. A do menino Gabriel com o resto de árvore de Natal que achou no lixo de Pinheiro, Maranhão.

O flagrante do fotógrafo João Paulo Guimarães, se traduzido em palavras, seria uma improvável mistura de um conto de Charles Dickens com o auto de Natal “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.

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Pode ser também, para ser mais econômico, um cartão natalino que denuncia este país ao mundo.

Quem ainda se lembra do vídeo de pessoas perseguindo as sobras de alimentos de um caminhão da limpeza pública em Fortaleza? E os ossos de primeira e de segunda — a exemplo da classificação de carne — como revelou o Diário do Nordeste na periferia da capital cearense?

O mesmo tema da volta da fome, que deveria ser imperdoável aos ditos poderes constituídos, nos mostrou a fila do osso em Cuiabá e no Rio de Janeiro. As imagens comovem, provocam posts indignados, uma fartura de compartilhamentos... e se desmancham no ar e na memória.

A revolta é tão passageira que não deixa nenhum resultado prático para melhoria das coisas. Em pouco tempo, as imagens se banalizam e nem filmamos mais as mesmas filas de famintos — serão incapazes de gerar cliques ou curtidas.

Uma imagem vale por mil palavras, mas a foto daquela criança yanomami esquelética deveria valer por uma Constituição inteira, que tem cerca de 70 mil vocábulos. Deveria ter a potência de derrubar governo.

O padre Júlio Lancelotti publica toda semana, nas redes sociais, registros sobre o desespero famélico em São Paulo, SP. As cenas são inconcebíveis para a cidade mais rica do país. Para definir o caos social, o religioso usa apenas duas palavrinhas: crise humanitária.

Animais torrados no Pantanal, engarrafamento de barcaças de garimpeiros no rio Madeira, Amazônia em chamas permanentes, pessoas morrendo sem oxigênio na pandemia da Covid em Manaus...

Somos rápido em fazer a legenda desse álbum da destruição: “Não verás país nenhum”, como no título do livro de Ignácio de Loyola Brandão. As fotografias são realmente apocalípticas. E nada acontece no país de Bolsoguedes.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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