Onde o lascado tem vez

Legenda: Aqui temos uma legião de 19 milhões de famintos no país cujo governo federal se orgulha de alimentar o mundo
Foto: AFP

O Brasil precisa voltar, urgentemente, a ser um país “onde o lascado tem vez”. Aqui lanço mão do slogan da mercearia e da kombi do Seu Higino, comerciante do Crato que, além de vender mais em conta, distribui cordéis e livros para incentivar o hábito de leitura dos seus fregueses. Que a buzina desse iluminista do Cariri seja ouvida nos labirintos burocráticos do regime BolsoGuedes em Brasília.

Não é pedir muito. É inadmissível que, sobre ao lascado, apenas a fila para pegar o osso da sopa rala, como vimos em um açougue de Cuiabá (MT), na vizinhança dos milionários do agronegócio — nunca exportaram tanta soja e proteína para terras estrangeiras, como se orgulha o próprio presidente da República.

Aí sim está a polarização mais cruel do momento: extrema pobreza e extrema bonança.

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Onde o lascado tem vez, há pelo menos o direito sagrado e universal a três refeições diárias. Aqui temos uma legião de 19 milhões de famintos no país cujo governo federal se orgulha de alimentar o mundo — vide a propaganda da Secom para celebrar o dia do Agricultor, neste 28 de julho.

propaganda da SECOM com agricultor com espingarda
Legenda: O governo federal apagou a publicação diante da má repercussão
Foto: Reprodução

Sim, aquela mesma propaganda onde se viu a agricultura brasileira representada pela imagem de um capataz com uma espingarda nas costas, incentivando ainda mais a violência no campo. Foi tão vergonhoso que a turma esperta do Palácio do Planalto tratou de apagar depois o desastre.

Não está sendo fácil, Seu Higino, no Brasil de BolsoGuedes é tudo pela hora da morte. Inventaram até o pacote de “fragmentos de arroz” pelo preço do agulha.

Parece que a política oficial é para que o pobre se vire com mingau de cachorro e ainda dê graças a Deus — ah, sim, essas autoridades se dizem muito religiosas e protetoras da família.

Diante de tamanha bagaceira política e econômica, só mesmo lendo, na cordelteca itinerante da kombi do Crato, as aventuras e virações de anti-heróis do naipe de um João Grilo, Pedro Malasartes e Cancão de Fogo, personagens picarescos com a sabedoria e a capacidade de sobrevivência mesmo nas situações mais infernais. Até a próxima.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.