Vale, mais do que nunca, soltar o grito e os tambores de Chico Science & Nação Zumbi: “Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça/ Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”.
Depois de iniciar o retorno ao “Mapa da Fome” em 2017, quando o ex-presidente Michel Temer alardeava a sua “ponte para o futuro”, o Brasil seguiu a cantiga da perua - é de pior a pior - e nesta semana uma nova pesquisa revelou, em números, o que o ronco das tripas já denunciava nos lares desfavorecidos.
O que era uma vida aperreada virou agonia permanente. A fome perturba o juízo de 19 milhões de pessoas. Os dados estão no Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid no Brasil, um serviço da Rede Penssan.
A cearense Vanusa da Silva, 50, cuidadora de idosos desempregada, morada do bairro Álvaro Weyne, na periferia de Fortaleza, em depoimento à repórter Theyse Viana, traduziu, no Diário do Nordeste, este desespero: “Eu apertava a barriga pra amenizar a dor, parece que você tá morrendo. Passei dia e noite bebendo água porque não tinha o que comer. Nunca pensei que passaria por isso, já desejei minha própria morte. Só quem sente a fome de perto é que sabe.”
Vanusa tem que se virar com R$ 500 do Bolsa Família para dar de comer a uma filha e dois netos e pagar um aluguel de R$ 350. Vanusa é o retrato da necessidade que aperta nessa hora. No injusto momento em que o governo BolsoGuedes corta o auxílio emergencial pela metade e vacila em um lerdo programa de imunização nacional.
Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça. Imagino o seu assombro diante dos miseráveis de 2021. Logo você, meu camarada, o primeiro a denunciar, em 1946, a situação dos famintos como desastre político e não obra do acaso ou consequência do destino natural dos homens.
O médico, cientista e escritor recifense Josué de Castro (1908-1974) precisa ser relembrado. “Geografia da fome” é a sua obra-prima. Em 1964, a Ditadura Militar o prendeu e expulsou do país. Não interessava ter sua voz por essas bandas. Solta mais uma vez o som, Chico Science, instiga a juventude a conhecer este bravo nordestino mais conhecido hoje nas universidades europeias do que em solo brasileiro.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.