Prato vazio da campanha de Betinho gira nos ares do Brasil

Legenda: O Brasil tem hoje 33 milhões de pessoas passando fome, conforme a nova edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19
Foto: Alex Pimentel

O prato de alumínio gira duas vezes no ar e cai. Faz um barulho que denuncia o escândalo. Como se fosse um despertador de consciências anestesiadas. Uma voz, grave, diz: o prato do dia de 32 milhões de brasileiros. Um prato vazio e amassado toca o chão das desigualdades. Estamos no começo dos anos 1990 e o sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, entra em cena para chacoalhar um país que havia dado como natural, naturalíssimo, toda essa gente passar fome.

Betinho, o irmão do Henfil da música "O Bêbado e a Equilibrista" (João Bosco e Aldir Blanc), fez daquele prato sem comida o símbolo da vergonha brasileira. Um eco, ao tilintar no cimento da casa, para entrar nos ouvidos tapados de uma certa “elite” que não estava nem aí para a hora do Brasil.

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O prato vazio, aquele inutensílio doméstico, gira no ar como se fosse um objeto não-identificado. O irmão do Henfil tornou aquela imagem um incômodo e promoveu uma campanha revolucionária.por comida na mesa dos mais pobres. Ali nascia uma ideia política que, em 2014, na gestão de Dilma Rousseff, tirou o Brasil do Mapa da Fome.

Mas eis que o cardápio da desigualdade foi reapresentado de novo. Com os requintes perversos da era pós-golpe de 2016. "A gente regrediu literalmente 30 anos na luta contra a fome, o que nos assusta muito", diz Kiko Afonso, diretor da mesma Ação da Cidadania que era comandada por Betinho.

Em conversa com a repórter Fernanda Mena, da Folha de S. Paulo, revelou um dado assombroso: "Mas o sentimento de indignação da sociedade brasileira hoje diante da fome de 33 milhões de brasileiros está muito aquém da indignação de 1993, diante da fome de 32 milhões. Estamos inertes como sociedade."

O prato vazio dos anos 1990 voltou a girar no ar e bater, com mais barulho ainda, o chão do Brasil de BolsoGuedes. O país do agro é pop. A fazenda modelo que se orgulha, de maneira megalomaníaca, dos recordes de exportação de grãos e proteínas.

Para sair da inércia, na sintonia da indignação, boto Chico Science & Nação Zumbi, mais uma vez e sempre, nos serviços de alto-falante de todas as praças públicas: “Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça/ Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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