O rebuliço do clima e o Cacique Cobra Coral

O desmantelo climático em todo o planeta, deixando alguns países da Europa mais quentes que as ruas de Jaguaribe na hora do almoço, me fizeram lembrar imediatamente do Cacique Cobra Coral, a entidade brasileira contratada para operar toda sorte de “milagres” meteorológicos.

A terra cearense do queijo coalho, aliás, anda suave, não chega nem aos 40 graus, muito abaixo dos quase 50 de alguns pontos turísticos italianos, como a ilha da Sardenha, que bateu nos 48º na sombra. Não há como negar o aquecimento global, o fenômeno vem com a peste e vai causar um rebuliço que envolve das geleiras do Polo Norte ao deserto do sertão baiano do Raso da Catarina.

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O desespero da humanidade diante da crise do clima me leva a alguns episódios de Cobra Coral. Ele foi convocado para proteger até o Papa Bento XVI, na sua visita a São Paulo, em 2009 — o que seria uma tempestade, segundo as previsões do tempo, virou um sereno, uma garoa de nada, para alegria de quem fechou o contrato (a Prefeitura) e dos fiéis católicos.

“Manejamos o vento para que ele levasse a chuva embora e trouxesse o frio”, confessou, na ocasião, a médium Adelaide Scritori, em reportagem da revista “Veja SP”. Ela herdou do pai, Ângelo, morto em 2002, aos 104 anos, a Fundação Cacique Cobra Coral, criada em 1931. O objetivo, informa o site da entidade, sempre foi “intervir nos desequilíbrios provocados pelo homem na natureza”.

Políticos de direita, de centro e de esquerda — sem distinção de cor ideológica — costumavam invocar a entidade mística ligada às causas meteorológicas. As empresas de eventos também, diante do desespero de ter shows cancelados.

Nem sempre, porém, funciona. A cantora Katy Perry, por exemplo, não deu a mesma sorte do Papa. Convocada em urgência pelo Rock in Rio, em 2015, a médium disse que o engarrafamento carioca a impediu de fazer o trabalho no local. Desabou um temporal inesquecível para a artista e seus fãs. O diretor do festival, Roberto Medina, já era cliente cativo do cacique.

A fundação, que tem sede em Guarulhos, foi questionada em 1988. A Sociedade Brasileira de Meteorologia entrou com ação no Conselho

Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP) contra a entidade por exercício ilegal da profissão. O caso foi arquivado.

A relação familiar com as “forças do além”, conta Adelaide, começou com o pai no interior do Paraná, mas passa pelo universo do Cariri. Ele recebia o espírito do Padre Cícero (1844-1934), considerado santo popular no Nordeste. Foi o Padim Ciço que avisou sobre os dons espirituais da filha.

Bote você fé ou não — cada um tem sua escolha democrática —, o Cacique Cobra Coral faz parte do folclore brasileiro. Seja na política, na religião ou no rock´n´roll.

E de uma coisa não resta dúvida: vamos cuidar aqui na terra, urgentemente, para não depender apenas de “milagres” lá de cima. Até a próxima crônica.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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