No julgamento da inelegibilidade de Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes listou, na tribuna do TSE, uma série sem fim de mentiras do ex-presidente. Como um Indiana Jones do Cariri, este cronista preferiu fazer uma busca arqueológica pela mentira-mestra, a mentira original, a mãe de todas as mentiras, a lorota que gerou o monstro.
A “mamadeira de piroca”, eleita como uma das maiores fake news das eleições presidenciais de 2018, seria parte integrante do “kit gay” criado e distribuído pelo ex-ministro Fernando Haddad durante sua gestão no Ministério da Educação, entre 2005 a 2012, nos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef.
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Para dar veracidade à notícia falsa, adeptos da campanha de Jair produziram e veicularam nas redes sociais um vídeo em que um homem apresenta, com alarde apocalíptico, uma garrafa com um bico de borracha em formato de pênis. A peça reforçava a boataria espalhada pelos comitês do candidato da extrema-direita em correntes de WhatsApp e por robôs no Facebook e no Twitter.
“Olha aqui ó, vocês que votam no PT, essa aqui é a madeira distribuída na creche. Olha a marca aqui, ó. Distribuída na creche pra seu filho, com a desculpa de combater a homofobia. Olha o bico como é, ó. Tá vendo? O PT e o Haddad pregam isso para o seu filho. Seu filho de cinco, seis anos de idade vai beber mamadeira na creche com isso aqui, para combater a homofobia”, dizia o bolsonarista anônimo.
O mesmo personagem reafirmava, ao final do vídeo: “Tem que votar em Bolsonaro rapaz, Bolsonaro que é pra fazer o filho da gente homem e mulher. O PT, e Haddad, Lula, Dilma só quer isso aqui para os nossos filhos. Isso faz parte do kit gay. Invenção de Haddad, viu?!”
Agências de checagem, como a Lupa e projeto Comprova, asseguraram que o kit não passava de uma mentira eleitoral. Em 2011, o Ministério da Educação havia elaborado apenas uma cartilha com o título “Escola sem Homofobia”, com orientações simples para ajudar os professores a combater o preconceito. A edição nem chegou a ser distribuída pelo governo, que cedeu a pressões da bancada evangélica no Congresso. Segundo os deputados religiosos, o material poderia estimular “o homossexualismo e a promiscuidade”.
O kit gay foi alardeado pelo próprio Bolsonaro em sabatina no Jornal Nacional (Rede Globo), em 28 de agosto de 2018, quando o candidato mostrou o que seria um novo item do pacote do seu adversário Fernando Haddad, o livro “Aparelho Sexual e Cia”, da escritora francesa Hélène Bruller e ilustrado pelo cartunista suíço Zep.
Por ingenuidade, talvez, a gente até ria de lorotas como essa. Não imaginava o estrago que seria capaz de fazer à democracia. A fake news bolsonarista obteve um enorme sucesso durante toda a campanha. Até hoje, como em um eterno retorno, circula em edições revistas e ampliadas. Será que a “mamadeira de piroca” resistirá a 8 anos com o ex-presidente inelegível? Tomara que não. Vade-retro.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.