Dos anões do Orçamento aos gigantes das emendas Pix
O maranhense Flávio Dino, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), soltou os cachorros para botar ordem na patifaria das emendas Pix e outras vadiagens com a grana do Orçamento. A ideia é apurar todas as irregularidades cometidas entre 2020, quando este mecanismo foi inventado, até 2024.
“É impossível abrirmos um tapete gigante e colocarmos debaixo. Acredito que nenhum órgão sugeriria isso”, afirmou Dino.
A bagunça dos atuais deputados federais com o dinheiro público das emendas nos lembra, automaticamente, o escândalo dos Anões do Orçamento, ocorrido em 1992.
O caso foi revelado de maneira tenebrosa. Enterrada viva, depois de um sequestro forjado pelo próprio marido, a morte da funcionária pública Ana Elizabeth Lofrano marcou o início do episódio.
Parece filme de terror. José Carlos Alves dos Santos, assessor especial da Comissão de Orçamento do Congresso, contratou dois bandidos para a matar a própria mulher, no dia 19 de novembro de 1992, depois de um jantar romântico em um restaurante na Asa Norte da capital federal.
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Ana Elizabeth havia descoberto que o marido escondia cerca de US$ 1 milhão em casa, dinheiro de um esquema que ficou conhecido como Os Anões do Orçamento, que desviava recursos públicos por intermédio de parlamentares, prefeitos e organizações sociais.
O desaparecimento da funcionária do Ministério da Educação seguiu como mistério até novembro de 1993, quando a polícia do DF encontrou uma ossada na cidade satélite de Planaltina. O detetive particular Lindauro da Silva e o mecânico José dos Santos confessaram a autoria do crime por encomenda.
Preso, Alves dos Santos culpou os deputados do esquema de fraudes pela morte da mulher. Não conseguiu, porém, se livrar da condenação — a sentença a 20 anos de cadeia aconteceu em 1997. Nesse período, a polícia revelou até as orgias do assessor do Congresso, detalhes da relação com a amante e toda a luxúria bancada com dinheiro da corrupção.
Entre os deputados, o comandante do esquema dos Anões do Orçamento foi o baiano João Alves, na época da legenda PPR. Ao ser flagrado na roubalheira, disse que era milionário por ter acertado 200 vezes em loterias — 53 vezes apenas em 1992. “Deus me ajudou e eu ganhei muito dinheiro”, afirmou. Por causa do “milagre”, ganhou o apelido de João de Deus.
As desculpas do homem mais sortudo do Brasil não impediram a instalação da CPI do Orçamento, a segunda comissão parlamentar de inquérito da Nova República – a primeira foi a CPI de PC, que em 1992 investigou Paulo César Farias, o ex-tesoureiro de campanha do então presidente Fernando Collor de Mello, alvo de impeachment por causa destas investigações.
João Alves, o homem que acumulou US$ 50 milhões, foi parlamentar federal desde 1963. O esquema de fraudes com emendas do orçamento começou a ser articulado ainda 1972, durante a Ditadura Militar. Os outros seis anões do grupo eram os deputados Genebaldo Correia (PMDB-BA), Manoel Moreira (PMDB-BA), Ubiratan Aguiar (PMDB-SP), José Carlos Vasconcellos (PRN-PE), José Geraldo Ribeiro (PMDB-MG) e Cid Carvalho (PMDB-MA) – embora a participação de Vasconcellos e Aguiar tenha sido refutada durante as investigações.
O rótulo de anões devia-se ao time pertencer ao “baixo clero”, divisão da Câmara que abriga os políticos de menor expressão ou importância nos debates em plenário. Uma reportagem da Folha de S.Paulo de 26 de dezembro de 1993, porém, mostrou que o grupo ficou assim conhecido porque nenhum dos sete integrantes tinha mais de 1,62 de altura.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.