Não se vai para o inferno

Dizia Nelson Rodrigues que, no Brasil, o futebol se dá de forma atmosférica. Nós respiramos futebol.

E foi nesse processo de respiração e expectativa em torno de Independiente X Fortaleza, pela Sul-Americana, em Buenos Aires, que encerrei um comentário sobre o primeiro jogo, sugerindo aos argentinos uma passagem pelo inferno na segunda partida marcada para o Castelão.

Confesso ter percebido, depois, que a frase foi uma alegoria excessiva, que contraria a nossa posição filosófica diante do futebol.

Esse “inferno” a que me refiro, diz respeito a criar em torno do jogo um clima de apoio maciço ao Fortaleza, numa daquelas manifestações que a torcida tricolor está acostumada a oferecer.

Diga-se espetáculos de presença e paixão nas arquibancadas, como poucas torcidas no Brasil são capazes de proporcionar.

Não falo em hostilidades e nem futebol desonesto, diante dos hermanos, mas sim num grito sufocante e permanente, que consiga arranhar o emocional do Independiente.

“Ganhar no tapa”, de jeito nenhum. Nem de longe a encarnação do espírito de porco para baixarias e violência, com ameaças de que não sairão vivos do Ceará.

Me recuso a ver o futebol como guerra ou a enxergar nele antigas arenas romanas, onde se sacrificavam seres humanos.

De atividade física, o futebol passou a teatro social.

Antropólogos e psicanalistas chegaram à conclusão de que essa transformação teve sempre o valor de sublimar instintos agressivos.

Futebol é um misto de baile e combate, entretenimento e conflito, dentro de regras próprias e democráticas.

Façamos com que um forró nordestino vá bem melhor que um tango.

Não se vai para o “inferno”. Do “inferno” é que se volta.



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