A escrita de Wilton Bezerra, por Batista de Lima

Confira coluna desta terça-feira (8)

Naqueles tempos, já amávamos os Beatles e os Roling Stones e ouvíamos falar de uma Guerra do Vietnam. Assistíamos, no Cine Moderno, “Assim caminha a humanidade”, com Elizabeth Taylor, James Dean e Rock Hudson. Depois, íamos à Quadra Bicentenário ver o Votoran, com Paulo Frota, e o AABB e o Volks, com Gladson, Manga e um craque alto e magro, chamado Ítalo. Era o mesmo que, no desfile do Diocesano, ia à frente, na Banda, abafando no tarol.

Aqueles anos dourados e seus momentos atípicos aparecem com mestria em Crônicas e Causos, escrito por Wilton Bezerra, Expressão Gráfica e Editora, 2022. Logo no Prefácio, Renato Casimiro apadrinha a obra, com sua categoria de mais celebrado intelectual caririense em atividade. Daí, o leitor já vai ciente de que está diante de algo agradável, de paladar requintado para degustação lectual. Afinal, um dia, o autor foi pegar “bigu” no trem lá em Cedro, em que foi parido, e, quando deu de si, estava no “Cratinho de açúcar, tijolo de buriti”. São coisas do Cariri. Isso aconteceu ao contrário com Chico Pierre, que adormeceu no trem de carga no Crato, acordou em Cedro e voltou casado.

No caso aqui, trata-se da Ilíada de Wilton, cuja Troia foi o Crato de 1957 e que, usando o trem como seu cavalo, começou a odisseia, que passando depois por Juazeiro, em temporada, veio a perder-se de seu berço cedrense, em que passou de passagem para desembarcar de vez na “Loura desposada do Sol”. Fortaleza tornou-se, sem posto de chegada, sua Ítaca. Dedicou-se a falar, como se tivesse bebido água de chocalho na infância cedrense. De tanto pular o muro do Campo do Sport, em Crato, um dia, por lá ficou. Fez dos estádios sua sala de aula para dizer e exercitar o bem falar.

Quando fala como entrevistador de Roberto Carlos e Luís Gonzaga, é como se estivesse falando com os amigos do Bar Social, do Seu Chiquinho. Não titubeou, porque aprendeu que todos são humanos como nós, que todos podem ter tido frieiras, escorbuto, beribéri e boqueira. Todos são carne e osso, amam e odeiam como todos os mortais. Wilton Bezerra é irrequieto, palrador e sabe botar sustança no que diz. Seu espojador primeiro foi na Várzea da Conceição, no Cedro, lugarzinho pequeno no tamanho, mas grande na arte de esperar chuva, porque esperar o trem não vale mais a pena.

É bom saber que enquanto este José seminarista da Sagrada Família ajudava as missas do Padre Frederico, na Igreja de São Vicente, o garoto Wilton era menino praticante de traquinagem nas ruas do Crato. Mas, sempre que ouvia o apito da Maria Fumaça, partindo da Praça Francisco Sá em busca da Capital, ele sabia que era um convite para romper a garganta do horizonte. Pois, um dia, botou seu fusca azul, vulgo “caixão de anjo”, para funcionar e rumou em busca do brilho e do sucesso elasticado na Capital, porque no Cariri sua voz já se impusera e seu humor já criara raiz.

Wilton Bezerra escreve como quem conversa com amigo próximo. É o João do Rio do futebol, um flaneur que faz de uma mesa de bar uma ribalta, um palanque e um altar. Quando fala em Várzea Alegre, é como se estivesse na presença do Padre Otávio, que celebrava na frente dos filhos, ou com José Clementino, Pedro de Sousa, Chico de Amadeu e o Padre Antônio Vieira, maior amansador de jumento do Mundo. Quando teoriza, sobre a crônica, é como se estivesse em defesa de tese em término de curso. É capaz de citar passagens de Nélson Rodrigues, Vinícius de Morais e de uma porção de intelectuais, que com ele poderiam aprender a ser grandes sendo simples.

Seu livro possui momentos de nostalgia, que nos transportam a uma adolescência que a gente, às vezes, esconde, mas não perde. Por isso, é importante sua leitura, seu humor, para o leitor saber como é possível levar a vida de “fair play”, sempre tirando casquinha com as adversidades e fazendo cafuné nos momentos de felicidade. Para esse viver, ele militou por muitas rádios, frequentou muitos bares e arranjou inúmeros amigos. Não se preocupou em ficar rico de dinheiro, porque já é milionário de alegria, o que não é para qualquer um.

Wilton Bezerra escreveu um livro biodegradável. É tanto, que lá pela página 86, ele consegue a culminância de sua coletânea, ao escrever “As árvores e o sentido da vida”. Esse belo texto traz lições de defesa da ecologia, a partir do grande amor de um senhor idoso por uma centenária árvore, da qual se despede, diante da perspectiva de não retornar ao seu quintal. Esse texto lacriamoroso comprova que Wilton Bezerra pode direcionar bem mais suas crônicas para essa temática e produzir belas peças literárias nas suas próximas publicações.

 

* Texto escrito por Batista Lima

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