Como todo menino amante do futebol, eu cresci ouvindo sobre os gênios da bola e tudo que eles fizeram e faziam nos gramados pelo mundo afora. Com seis anos, eu já sabia quem eram Pelé, Zico, Sócrates, Falcão, mas também Maradona. Afinal, eu tinha seis anos em 1986, o ano de consagração do craque ao vencer praticamente sozinho a Copa do Mundo, pela Argentina. Os gols diante da Bélgica, dois golaços, e Inglaterra, ainda estão na minha memória até hoje. Como não lembrar do golaço driblando toda a defesa inglesa e o famoso “La Mano de Dios”?
Era a mais pura genialidade de um craque, que no imaginário de meninos como eu, que jogavam futebol na rua, incluiam Maradona entre os preferidos ao lado de craques brasileiros. Quem nunca marcou um golaço, deu um chapéu ou caneta e assinou como de Maradona? Eu já.
Aprendi a venerar o craque e, quatro anos mais tarde, vi a genialidade dele ser fatal contra o Brasil na Copa de 1990, com um passe perfeito para Caniggia driblar Taffarel e acabar com o sonho do Brasil, na Itália. Ele ainda levaria uma limitada Argentina para a decisão contra a Alemanha, mas pararia como vice-campeão.
Já com 14 anos, em 1994, vi um Maradona deslumbrante nos gramados dos Estados Unidos, conduzindo a desacreditada Argentina de Alfio Basile a sonhar com o tri mundial. Os gols diante da Grécia e a sua fúria em direção às câmeras de TV na comemoração também estão gravadas na memória.
Assim como também a cena dele de mãos dadas com a enfermeira da Fifa tirando-o do gramado direto para o antidoping. Suspenso por doping por efedrina, Diego teve sua participação na Copa de 94 encerrada, que prometia ser impactante e, quem sabe, determinante para que a Argentina fosse uma das maiores rivais do Brasil pelo título mundial.
As minhas lembranças e percepções sobre Maradona na infância e adolescência deram lugar à curiosidade sobre sua trajetória no futebol e me debrucei em ler sobre o craque argentino após o encerramento de sua carreira como jogador, em 1998, pelo Boca Juniors. Aprendi que ele foi “Deus” também atuando por Barcelona e Napoli. No Barça, foi destaque com direito a título da Copa do Rei, decidindo a final com o Real Madrid, marcando nos dois jogos da decisão e sendo aplaudido de pé pela torcida do rival, no Santiago Bernabéu.
Mas foi no Napoli que o nível de idolatria chegou ao ápice. A história de Maradona com o médio clube de Napoles começou em 1984 e terminou em 1991, uma fase apaixonante marcada pela conquista de dois campeonatos italianos (1987 e 1990) e da Copa da Uefa de 1989.
Como apreciador do bom futebol, do futebol-arte, aprendi a amar também o futebol argentino, sem qualquer resquício de rivalidade. E, ao visitar o país vizinho, pude constatar in loco o amor que o argentino tem por Maradona. Andar pelas ruas do mítico bairro de La Boca, sede do Boca Juniors, é emblemático e impactante: a onipresença de Maradona. Ele está em pinturas na parede, em esculturas, imagens, camisas, bandeiras e, claro, no coração.
Conversar com um argentino fã de futebol é entender o que Maradona representa para eles, para uma nação. Os olhos brilham, o coração dispara, as palavras se multiplicam em veneração ao Deus, ou Diós, dos argentinos.
Mas o mundo se uniu a eles para chorar por Maradona. A morte dele ontem impactou todo o país, pelo que o ex-atacante representou para os hermanos, mas o mundo todo foi impactado.
Debilitado
Lembro bem que o uso de cocaína que iniciou ainda como jogador em 1983, atuando pelo Barcelona, deteriorou o craque, que, a partir dos anos 2000, acumulou problemas de saúde, como ataque cardíaco, crises hipertensivas, hepatite causada pelo alcoolismo.
Já como treinador na Argentina, com a saúde debilitada, foi reverenciado como um rei nos gramados argentinos, com seu retorno ao país natal em 2019. Praticamente todos os times homenagearam Maradona, quando técnico do Gimnasia. As imagens nos estádios portenhos eram comoventes, com o povo argentino reverenciando Diego a cada jogo de sua equipe. Era o povo demonstrando um carinho por quem tanto fez por ele.
Morte
É impossível não se comover com a partida de um dos maiores jogadores da história do futebol, um dos mais geniais de todos os tempos. E, acima de tudo humano, demasiado humano, com todos seus defeitos e problemas de saúde que o acompanharam até o dia de sua morte.
Uma das frases mais impactantes que ouvi de um argentino, que trabalhava no museu do Boca Juniors, clube de coração de Diego, resume o que ele representou para os argentinos e, porque não, para todo o mundo do futebol: “Não importava o que ele tinha feito de sua vida, e sim, o que ele tinha feito com a nossa”, disse o apaixonado torcedor.