O Pelé que eu conheci: crônica de Tom Barros homenageia os 80 anos do Rei do Futebol

O jornalista narra como analisa a importância do rei para o futebol e a experiência de vê-lo jogar pessoalmente

Legenda: Pelé, com 17 anos, admira a taça da Copa do Mundo vencida por ele em 1958, pela primeira vez
Foto: Fifa

1958. Eu tinha onze anos de idade. Não havia televisão. Pelo rádio, através das narrações de Edson Leite e Pedro Luís, o Brasil comemorava a conquista da Copa do Mundo na Suécia. E o surgimento de um menino genial chamado Pelé. Somente muitos dias depois o Cine Diogo exibiu o filme “Brasil Bom de Bola”, documentário sobre o título conquistado. Só aí foi possível acompanhar os lances maravilhosos do menino Pelé.

Pelé visita o Museu do Futebol
Legenda: Pelé visita o Museu do Futebol
Foto: Kin Saito/CBF

No ano seguinte, no dia 18 de julho de 1959, Pelé veio para um amistoso do Santos no PV. Para minha surpresa, ele passou defronte à minha casa, perto do estádio, num carro do Corpo de Bombeiros. Acenava para os moradores. Algo inacreditável que nunca esqueci. No amistoso com o Fortaleza, 2 x 2, ele marcou os dois gols. Ficou para mim a imagem indelével. Em 1967, novamente vi Pelé em ação ao vivo no mesmo PV. O Santos aplicou uma goleada (0 x 5) no Ferroviário, partida amistosa. Espantado, acompanhei uma tabelinha que jamais veria outra vez nos campos de futebol. Uma tabelinha de cabeça entre Pelé e Coutinho, terminando com a bola nas redes do Ferroviário. A tabelinha começou na intermediária coral. Lance fantástico. Pena não haver registro em filme. Não havia vídeo na época.

>Contra cearenses, Pelé marcou 6 gols e teve 55% de aproveitamento

Em 1968, uma surpresa e emoção forte. Eu já era radialista. Trabalhava na Rádio Uirapuru. O Santos veio fazer um amistoso com o Ferroviário. Cheguei cedo ao PV. Às 14:30, eu estava na entrada do túnel, vendo um jogo preliminar. De repente, chega ao meu lado Pelé. Somente ele e eu. Peguei o microfone e fiz uma entrevista rápida. Ele explicou que gostava de ver os jogos dos jovens nas preliminares. Pelé, bicampeão do mundo, na simplicidade, sem aparatos, sem seguranças. O “Rei” do futebol, bem à vontade, ali comigo. Nunca imaginei que pudesse acontecer uma situação assim. Depois daí um alvoroço. Repórteres chegando às pressas.

Pelé na final da Copa do Mundo de 1958 contra a Suécia, na casa dos adversários
Legenda: Pelé na final da Copa do Mundo de 1958 contra a Suécia, na casa dos adversários
Foto: Fifa

Esses foram os meus primeiros contados com ele. Nas suas vindas seguintes a Fortaleza, não tive mais a mesma oportunidade de aproximação. O Santos, com Pelé, jogou aqui em 1972 no PV. Perdeu para o Ceará (2 x 1). Pelé fez 1 a 0, mas o Ceará virou com Samuel e Da Costa. Em 1973, também no PV, nova vitória do Ceará sobre o Santos com Pelé. Vitória por 2 a 0, gols de Jorge Costa e Erandir. Em 1974, já no Castelão, o Santos ganhou do Fortaleza (0 x 2), mas Pelé não assinalou gol.

Reencontro

Somente voltei a ver Pelé em 1989, na saída do Maracanã, após aquele jogo Brasil x Chile no qual a Rosenery Fogueteira lançou um sinalizador em campo, provocando o fim da partida. Pelé me atendeu com muita distinção. Falou sobre o episódio do goleiro Rojas, do Chile, e as consequências possíveis. Foi o último contato que tive ao vivo com o “Rei”.

De todas, as melhores lembranças que guardo são as de 1959 porque formam um forte contraste com o que se vê nos ídolos de hoje. Ao passar defronte a minha casa, Pelé estava com 18 anos. Jeito de menino ainda. As glórias o cobriam. A fama mundial. Mas seus atos eram de aproximação, de cumprimento ao público, sem medos, sem receios. Havia a pureza nas atitudes e nos sentimentos. Um ar de romantismo que ainda predominava no futebol, nem de longe lembrando os rigores, exageros e extravagâncias de agora.

Pelé eterno

Pelé comemora um dos seus gols na Copa de 1970, a última disputada e vencida por ele
Legenda: Pelé comemora um dos seus gols na Copa de 1970, a última disputada e vencida por ele
Foto: Fifa

Quando vejo comparações entre Pelé e os atuais ídolos, não discuto. Apenas recomendo que as pessoas vejam o filme “Pelé Eterno”. Assim será possível ver pelo menos parte do que ele fez pelos gramados do mundo. Pelé é tão genial que só ele é lembrado por lances inacreditáveis de gols perdidos. Vejam amigos: lembrado pela genialidade de gols perdidos. Não há outro atleta com referência assim. Aquele lance em que tentou encobrir o goleiro Victor, da Tchecoslováquia; a cabeçada que fez o goleiro inglês, Gordan Banks, praticar a defesa do século; o drible de corpo no goleiro Mazurkiewicz, do Uruguai. Todos esses lances na Copa de 1970, quando ele foi eleito o melhor.

Lamento que muitas vezes Pelé seja criticado por questões familiares ou posicionamentos políticos que não assumiu ostensivamente. Ora, senhores, há as imperfeições humanas. Pelé é um ser humano com virtudes e defeitos como outro qualquer. Só ele, nos seus sentimentos interiores, sabe a razão de algumas atitudes que geraram comentários desfavoráveis.

Pelé comemora título de 1970
Legenda: Pelé comemora título de 1970
Foto: Fifa

Fixo minhas observações no Pelé, Atleta do Século. Aquele que na final da Copa da Suécia em 1958 aplica um lençol no adversário dentro da área e marca um golaço. Aquele que na final da Copa de 1970 no México, embora sendo ele de estatura mediana, salta mais alto que um zagueiro de quase dois metros e faz um golaço de cabeça. Aquele que, quando jogando com Garrincha, jamais perdeu um jogo pela Seleção Brasileira.

Escreveria mais páginas e páginas sobre as qualidade excepcionais de Pelé. Creio, porém, desnecessário maior esforço porque a reverência do mundo para com o Rei diz do que ele foi para o futebol mundial. Nestes 80 anos de Pelé, hoje comemorado, posso dizer que felizes foram as gerações que o viram altivo nos campos de futebol. Sim, gerações que tiveram contato com o mais perfeito jogador de todos os tempos. Um dia, o Brasil, que nem sempre sabe cultuar seus ídolos, descobrirá, na verdadeira dimensão, a grandeza de Edson Arantes do Nascimento na construção das notáveis conquistas esportivas brasileiras, conduzidas pelo seu talento inigualável.  

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