Semana que vem, acontecerá a inauguração da livraria Gato sem Rabo, em São Paulo, que só venderá livros escritos por mulheres. Textos literários, técnicos, científicos, para crianças e jovens: tudo de bom que uma mulher escrever estará lá.
O nome foi inspirado em um dos ensaios mais conhecidos de Virgínia Woolf, “Um quarto só seu”, uma espécie de longa carta sobre a realidade das mulheres de seu tempo, que não tinham o mesmo acesso que os homens à educação e sequer podiam entrar em uma biblioteca.
Durante um suposto jantar, onde homens recebiam um cardápio diferente e melhor que o das mulheres, ela avista um gato sem rabo no jardim. A visão do animal amputado, deslocado, fora do padrão desperta uma sequência de pensamentos sobre a condição feminina, também inadequada e sem lugar na categoria de personas intelectualmente aceitas.
Uma das notícias sobre o lançamento da livraria despertou a ira dos comentaristas de internet. Mascarados pelo anonimato, criticavam a iniciativa com fúria, como sendo algo exagerado, que segrega a sociedade mais ainda, que não faz sentido.
Parece difícil de entender que as outras livrarias do Brasil, todas as outras, vendem livros de homens e mulheres. Muito mais de homens, inclusive. Esta é a única de obras femininas e por que não pode ser?
Toda e qualquer iniciativa, edital, projeto, proposta que convide apenas mulheres está tentando reparar uma desproporção histórica.
Nas premiações, do Nobel às comendas regionais, os homens estão sempre em maioria. Nos catálogos, nos espaços políticos, a conta é quase sempre desigual.
A época das megalivrarias chegou ao fim, por enquanto. A crise no mercado editorial afetou os grandes empreendimentos, mas fez brotar pequenas lojas de livros por todos os cantos. Cada uma chega com o brilho discreto de uma ideia nova, um motivo especial para existir.
Conheci algumas livrarias inesquecíveis pelo mundo, pequenas e cheias de charme. Já vi uma só de livros sobre viagens. Guias, mapas, globos, romances, manuais de idiomas, qualquer coisa que sirva a viajantes. Outra tinha um acervo diverso no primeiro andar, mas, no segundo, só exibia livros sobre vinhos e gastronomia.
A proprietária recebia convidados para pequenas palestras, conversas com autores, sempre sobre modos de comer e beber. Temos também as livrarias infantis, as religiosas, de livros de arte, cinema, acadêmicas. E agora a Gato sem Rabo, no Brasil, onde as autoras ocupam todos os espaços.
Comprar livros pela internet é fácil e rápido, mas não tem a graça de entrar em uma lojinha de bairro caprichada. Bom mesmo é ir a uma livraria com cadeiras e sofás, com eventos e encontros. Café, sempre. Bons vendedores, que sejam leitores, que saibam indicar textos e conversar sobre eles. De preferência, com um livreiro dedicado, daqueles que sempre sonharam com esse ofício. O movimento das pequenas livrarias é como a primavera, colorindo as cidades e recobrando as esperanças.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.