Adele canta desde os quatro anos de idade. É graduada em música na Brit School, compõe, produz e foi descoberta por um empresário que ouviu suas músicas caseiras divulgadas na internet. Aos vinte e cinco anos ela atingiu a condição de fenômeno da música pop mundial.
Pelo volume de prêmios recebidos, de vendas de discos, de acesso às plataformas digitais, pela beleza de sua voz e força da sua performance, ela é um caso de talento nato associado a uma gerência impecável de carreira, com cuidado e sem pressa. Mesmo assim, o principal assunto de muitas matérias sobre Adele é o seu peso e aparência.
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Por não aceitar o corpo e o sobrepeso, ela atravessou períodos difíceis na adolescência. Fez tratamento psiquiátrico, psicoterapia, tomou remédios e lutou como foi capaz. É absurdo imaginar o sofrimento de uma jovem bonita e talentosa diante de algo que está fundamentado na pressão social pelo encaixe em um padrão definido pelo mercado. É massacrante e adoecedor.
Ouvi falar da Adele pela primeira vez por uma colega que a apresentou como uma mulher que é “bem gorda, mas é linda”. É sempre assim: é gorda, mas tem a pele boa. É gorda, mas se arruma. É gorda, mas só anda de unha feita. É gorda, mas está sempre com namorado, não sei o que ela faz. É gorda, mas sabe se vestir. Ser gorda é quase uma interdição e quem consegue superar é alvo de surpresa. Apontar isso é violento.
Semana passada Adele lançou seu novo disco, o “30”. Seus álbuns têm como título a sua idade à época do lançamento e isso faz parte do projeto artístico que ela amadurece a cada trabalho. As músicas falam dos seus sentimentos diante do amor, desamor, abandono, lugar onde vive e agora do divórcio e do seu filho.
São experiências pessoais que reverberam nos sentimentos coletivos, pois todo mundo já passou pelo movimento doloroso de amar e depois ver o amor acabar.
Ela é mestre em criar imagens poéticas que atravessam a alma. Coisas como: às vezes o amor dura, às vezes dói. Há um fogo começando no meu coração. Você parece um filme, você parece uma música. Deixa eu te fotografar nessa luz para lembrar do que fomos.
Sobre o disco “30” ela conta que escreveu as canções para explicar o divórcio ao seu filho. E não nos poupa de sentir o que ela sente, inclui a voz da criança em diálogos sobre o amor em “My little love”, grava a própria fala, chorando, o efeito melódico mais arrasador possível. Este está sendo considerado o seu melhor álbum, até aqui. É bonito, comovente, triste, sincero, faz chorar, faz dançar, assim como a vida, que não dá sossego.
Há um cuidado na decisão da ordem das músicas trazendo alívio, alternando a tristeza com canções cheia de energia (Cry you heart out) e parece que sua voz está ainda mais segura e apurada. Ao lançar o “30” nas plataformas digitais, a cantora exigiu que não fosse possível alterar a ordem com o recurso shuffle. Para ela o disco é uma narrativa, pensada naquela sequência que deve ser respeitada para se compreender o trabalho.
Por ocasião do lançamento do disco, está circulando na internet a cena de um show recente em que Adele é surpreendida pela presença de sua primeira professora de inglês, na infância, época em que ela já era obcecada pelas palavras e foi muito incentivada por essa mulher que marcou sua história. A professora, muito emocionada, sobe ao palco e diz à cantora que tem muito orgulho dela. E como é bonito ouvir alguém dizer que tem orgulho do que alguém se tornou, do destino que se cumpriu.
A menina de oito anos cresceu. Uma vida que realizou um sonho primevo é uma vida feliz. Adele é uma mulher adulta, divorciada, mãe de um filho pequeno, como tantas outras no mundo. Uma mulher que engorda, emagrece, lida com suas emoções, e dedica seu tempo para melhorar as nossas vidas, com suas canções. Adele não tem medo de falar de amor, de expor feridas, de chorar no meio da música e é assim que sua humanidade encontra a nossa. A arte e a coragem são irmãs inseparáveis.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.