Aconteceu de verdade. Um ônibus atravessando a cidade, perto das dez da noite. Cerca de quinze pessoas espalhadas, em cadeiras diferentes. Duas mulheres conversam perto do motorista, contando a história da prima de uma delas, falando alto.
Uma conta, a outra só exclama, chocada. Depois de alguns meses de desconfiança e investigação, a tal prima descobriu uma traição do marido. Armou um golpe de mestre para desmascarar e orquestrar uma vingança contra os dois. Cuidou dos detalhes. A narradora era dramática, modulava o tom de voz.
A situação do flagra seria apoteótica e ninguém dentro daquele ônibus conseguia prestar atenção em outra coisa, aguardando o desfecho, até que a moça disse:
- Chegou meu ponto, vamos descer que eu te conto lá em casa.
Ela não esperava que o motorista levantasse de uma vez e se recusasse a abrir a porta.
- Senhora, pelo amor de Deus, me conte aí o final ou eu não vou nem dormir hoje.
Os passageiros concordaram com a súplica. Foi assim que o motorista desligou o motor, todo mundo veio para as cadeiras da frente do ônibus e ficaram sabendo do desfecho.
Ninguém resiste a uma história bem contada. E uma das provas disso é o sucesso absurdo do podcast Não Inviabilize, o terceiro mais ouvido no Brasil. O podcast é uma atualização do que já foi o radinho de pilha na sala de casa em tempos anteriores à televisão. Eles se multiplicam nas plataformas de áudio e discutem tudo: política, artes, ciência, aprendizado de idiomas, religião, temas para qualquer gosto.
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O sucesso do Não Inviabilize está principalmente no fato de que sua criadora, Déia Freitas, é uma excelente narradora. Ela sabe identificar um testemunho instigante. Na categoria Picolé de Limão, ela recebe histórias dos ouvintes por e-mail, conversa com as pessoas para reunir informações e detalhes e conta para todos com uma maestria viciante.
Os casos passam por temas como sequestro de cachorro, roubo de potes de plástico, sogros e sogras, histórias que acontecem entre funcionários de empresas, situações de férias em família, romances que dão muito errado, exorcismo e coisas tão absurdas que a gente nem acredita que alguém pode ser capaz de fazer ou dizer. Mas é tudo verdade.
Há um lado muito engraçado em algumas situações, mas também é frequente chorar, se espantar e aprender com o erro dos outros. É como se, de repente, as lições aprendidas por pessoas que nem conhecemos servissem para nos ajudar a não cometer ou repetir erros.
A narração da Déia é natural, engraçada, mas também pautada pela ética. Alguns ouvintes escrevem pedindo conselhos, por exemplo. E o que ela tem a dizer sempre é coerente com o respeito e a verdade, virtudes caras e raras hoje em dia. Mentir nunca dá certo, essa é uma das coisas mais frequentes nas furadas que os ouvintes relatam.
A sessão Luz Acesa é sobre casos de fantasmas e assombração. Há também o Amor nas Redes, situações românticas e com final feliz. A vida real pulsando, acontecendo. A humanidade em sua máxima expressão de amor, ingenuidade, maldade, egoísmo, graça, tudo ao mesmo tempo. É a reinvenção da cadeira na calçada, do arauto medieval, do Narrador descrito por Walter Benjamim, que tem o dom de observar, perceber e contar.
Déia Freitas recebe as mensagens de quem precisa dividir com o mundo o que viveu, ou está vivendo. E nós, ouvintes, vamos nos identificando, criando empatia, rindo e chorando junto, entendendo que o mundo é vasto e o ser humano é capaz de tudo por amor, por ódio ou por dinheiro. Quem não viveu, ao menos uma vez na vida, uma história que parece enredo de novela? A Déia está esperando para saber.
p.s! O email é naoinviabilize@gmail.com
* Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.