Vivo, muito vivo, depois do Carnaval da Bahia

Entre trios e tambores, começo a entender que carnavalizar é dizer ao corpo que há muita vida pela frente.

Legenda: Salvador me colocou na rua, com o pé no asfalto, entre os foliões suados, os ambulantes, o povão, entre as rodas e o balanço do corpo a corpo

Ando com o coração carregado de saudade da festa da liberdade, da permissão, da diversidade do Carnaval. Tenho a impressão de que o brasileiro tem a necessidade de viver a rua como se o apocalipse, de fato, estivesse chegando, porque como diz Luiz Antonio Simas, o Carnaval é “a vitória do corpo sobre a morte”.

Achei curioso esse pensamento, porque viver o Carnaval sempre me trouxe essa sensação: estou vivo! E em 2024 decidi me sentir vivo na Bahia. Quanta surpresa! Quanta novidade! Quanta quebra de tabus! Sempre tive medo daquela terra nessa época de Carnaval, porque o que me contavam era sobre uma festa violenta e cara. Pois bem, estávamos todos errados.

Parece que há mesmo uma intenção de equivocar, de afastar as pessoas do carnaval ou ainda de elitizar a tal ponto que comecem a acreditar em uma festa gourmetizada, camarotizada, entre fotógrafos e influencers, enquanto a festa do povo - o carnaval de verdade - é ruim e perigoso.

Aí lembrei de Simas, de novo: “O Carnaval está sob ataque faz tempo: os higienistas da casa grande querem eliminá-lo, os tubarões do mercado querem gentrificá-lo e os mercadores da fé querem atrelá-lo ao imaginário do pecado”. Check!

Salvador me colocou na rua, com o pé no asfalto, entre os foliões suados, os ambulantes, o povão, entre as rodas e o balanço do corpo a corpo, o cachorro-quente comido apressado enquanto tenta acompanhar mais um bloco que sai.

Fui tiete da Avenida Sete, fui povo da praça Castro Alves com o encontro dos trios, acompanhei as Muquiranas no Campo Grande, vi o Ilê comemorar seus 50 anos de existência, os Filhos de Gandhy homenagear Caetano, fui pipoca do BaianaSystem e vi os trios no circuito Barra-Ondina reverenciar a presença de Gilberto Gil.

Sabe que mais me impressionou? A presença de famílias de todos os tipos, com pessoas de todas as idades, a acessibilidade, a alegria de um povo que ama e sabe viver a festa mais popular do mundo.

Em nenhum momento me senti desprotegido, agredido, pisoteado ou desconfortável com qualquer situação, pelo contrário, me vi completamente à vontade e livre para curtir, me emocionar e me sentir vivo.

É claro que é importante estar atento às regras de segurança que são comuns em qualquer carnaval de rua, como proteger pertences em “doleiras”, não aceitar bebidas de estranhos, evitar andar sozinho em ruas desertas, atentar aos movimentos, mas uma vez compreendendo o ritmo da festa, tudo acontece muito bem.

Salvador, sem dúvidas, tem como carnaval uma grande celebração da vida, uma energia que vibra pelo corpo e te faz chorar de emoção no meio da folia para, em seguida, pular de alegria entre o cheio de óleo queimado do trio, o som dos tambores, o chão que treme, as pernas que bambeiam enquanto todo mundo maceta o apocalipse.

Eu não poderia concordar mais com Simas: “O carnaval assusta porque afronta a decadência da vida em grupo, reaviva laços contrários à diluição comunitária, fortalece pertencimentos, sociabilidades, cria redes de proteção”.

Viva o Carnaval e toda a sua carne. Axé!

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor