Vivemos a ditadura da comédia?

Quando vale o seu entretenimento? Diversão está intrinsecamente ligada ao riso?

Legenda: Denise lançou uma reflexão sobre o verbo “divertir”, que verdadeiramente está ligado à capacidade de desligar-se da realidade e sentir prazer pela imaginação
Foto: Cacá Bernardes/ Divulgação

Denise Fraga, recentemente, me arrebatou, e não foi com uma obra de arte. Em entrevista ao programa Dando a Real, da TV Brasil, apresentado por Leandro Demori, a atriz me trouxe uma série de reflexões sobre a cultura e os costumes brasileiros e, consequentemente, sobre o meu próprio fazer artístico. 

Conhecida do grande público por seus diversos papeis no cinema e na televisão, Denise é um acontecimento no teatro. A primeira vez que a vi no palco foi no Theatro José de Alencar, em Fortaleza, com o espetáculo "A Alma Boa de Setsuan", um texto de Bertolt Brecht. Essa é uma das apresentações que permanecem no meu imaginário como uma das melhores peças que já assisti.

Em cena, Denise é simplesmente uma manifestação, um fenômeno, daquele tipo de artista que você, realmente, admira e tem como referência, uma mulher absolutamente dedicada e entregue à cena, atuando com extrema propriedade. Uma performance artística de quem faz jus ao pacto teatral de crença entre atriz e público.

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Em uma verdadeira conversa direta e descontraída - como são as entrevistas de Dando a Real - Denise reforçou minha admiração quando sugeriu estarmos vivendo em uma “ditadura da comédia”: uma suposta enganação que o próprio espectador se coloca ao buscar desmedidamente um divertimento que só se entende por meio do humor, como se o verbo “divertir” estivesse completamente ligado ao riso, quando na verdade está conectado à capacidade de uma obra de conduzir o público a desligar-se da realidade e sentir prazer na viagem pela imaginação.

Em dado momento da entrevista, Denise vai um pouco mais fundo e afirma categoricamente que hoje em dia o público prefere gastar o seu “rico dinheirinho” numa comédia ruim, correndo o risco de sair ainda mais frustrado com o que assistiu, do que apostar em um bom drama com uma história bem contada.

Eu não poderia concordar mais, porque um bom drama pode causar sentimentos de reconhecimento, identificação ou catarse que podem ser capazes de transformar o humor do espectador. Isso nada tem a ver com o debate de se é melhor drama ou comédia, não se trata do gênero, mas acredito que é preciso refletir sobre a qualidade do que tem sido oferecido ao público e os motivos que acarretam teatros lotados com comédias rasas e excelentes dramas com imensa dificuldade de fazer plateia.

Por que precisamos tanto do riso como válvula de escape nos dias de hoje, que nos impossibilita ver uma peça dramática ​que também pode nos desligar da realidade?

Outro ponto questionado pela atriz é a atual cena teatral ser composta por espetáculos de discurso e menos de histórias, ficções, dramaturgias ficcionais que são verdadeiras metáforas para se tratar de qualquer assunto sem necessariamente ser um depoimento pessoal, um ato confessional. Esse ponto muito me interessa e vem martelando o meu fazer e ver teatro nos últimos anos, porque concordo plenamente com Denise.

Acredito muito nas histórias como guarda-chuva de diversos discursos e essa fala tem me provocado enquanto ator e dramaturgo, especialmente, porque meu novo espetáculo Pequeno Monstro se enquadra na categoria de depoimento, mas, por hora, prefiro processar um tanto mais e deixar essa reflexão para outra coluna.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor