Reinventar o reinventado

Divido com vocês agora meu terceiro artigo de opinião e, ao escrever essas palavras, percebo que, mais uma vez, elas falam sobre as lutas artísticas frente à pandemia. Não se trata de uma obsessão pelo tema ou de um colunista de uma pauta só, mas de meu compromisso com a valorização da arte e do artista.

Em março deste ano, a pandemia fez aniversário no Brasil e, apesar de muitos estarem em festas, comemorando não sei o que, continuamos nos afundando em uma crise financeira, sanitária e humana sem resoluções eficazes, com um plano de vacinação que anda a passos lentos, quase parando… Às vezes, até dando ré.

Lembro que há um ano, nós, artistas, nos perguntávamos o que fazer, como continuar levando o nosso ofício. Demorou até a ficha cair totalmente e percebermos que a trajetória do Coronavírus tinha apenas começado. Doeu quando isso aconteceu. E dói ainda, porque se trata de so-bre-vi-vên-cia, em todos os sentidos que essa palavra possa ter.

É difícil para um artista ficar tanto tempo longe dos palcos e das plateias. O contato com o espectador é o que nos mantém vivos, solares. A gente sabe que o sucesso de um trabalho nunca é certo. Essa resposta só chega quando estamos diante do público ou, no nosso caso, atualmente, diante de uma telinha. É sempre um risco. A gente também aperta o botão e “aceita os termos de uso” sem ler o contrato.

Talvez venha daí a coragem de se recriar, do prazer em se arriscar, dar a cara à tapa, pular no escuro sem a certeza de que existe uma rede armada para te amparar. Ser amado ou odiado é consequência. Uma vez exposta, toda arte e todo artista é analisado, criticado, transformado e aplaudido, mas nada se faz sozinho.

Não é só do artista o desejo de criar. É também do espectador o desejo de apreciar. Deve ser do Governo, o desejo de fomentar ações culturais e do empresariado, de investir em arte, pelo compromisso social e educacional que ela provê, independentemente de em qual palco se apresente, presencial ou virtual.

Depois de um ano de pandemia, me reinventando e vendo tantos outros colegas procurando novas formas de vivenciar a arte e ser remunerado por ela, passo a enxergar de forma ainda mais nítida o fazer artístico por outro viés. Marquês de Sade dizia que “é na adversidade que o artista mais cria” e, apesar de uma parte de mim acreditar profundamente nisso, não vejo mais essa sentença como uma verdade absoluta.

Nós não necessitamos estar constantemente em situações difíceis, seja por qual motivo for, para acender nosso potencial criativo, porque o que todo artista precisa de verdade é de quem fortaleça, fomente, gere oportunidades, remunere, valorize e mantenha a cultura do país.

O tal “último setor” está longe de se recuperar, minimamente. Entramos numa espécie de “coma artístico”. Não deixamos de respirar, nossos batimentos não pararam, pelo contrário, resistimos, buscamos alternativas e ganhamos novos espaços que, inclusive, serão importantes daqui pra frente. 

Entretanto, nosso estado de saúde anda cada vez mais delicado e tem sido ainda mais necessário reavaliar o prontuário, acertar os curativos e medicamentos, driblar o tempo e reinventar até o que já foi reinventado.

Mas, repito: nada se faz sozinho.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.