A vida e a obra do cantor Belchior chegará ao Globoplay neste fim de semana. No próximo dia 30, o documentário Belchior - Apenas um coração selvagem, dirigido por Natália Dias e Camilo Cavalcanti estreia na plataforma. A data marca os seis anos da partida deste que, sem dúvidas, foi um dos maiores artistas do país e é uma grande referência pra mim.
O documentário é recheado de entrevistas, canções, histórias desconhecidas do público, imagens de arquivos que registram momentos musicais e depoimentos do próprio Bel. Uma verdadeira homenagem ao artista e ao seu legado na música, na arte, na política e na sociedade.
Tive o privilégio de participar do projeto. Recito algumas canções ao longo do filme. Sempre fui fã de Belchior, porque desde pequeno meu pai o escutava no LP de casa, mas essa experiência me atinou uma percepção sobre as letras das músicas para além do cantar que eu não tinha antes do documentário.
Arte, crítica e política são suas principais características musicais. Suas composições são como uma faca mesmo, um corte profundo no corpo social.
Eu quero é que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês, dizia ele em A Palo Seco. Não tinha pretensão de fazer nada “palatável” para agradar as pessoas.
Em Alucinação - seu álbum mais famoso - a música que dá título ao disco já anuncia que Belchior não está “interessado em nenhuma teoria, porque amar e mudar as coisas o interessa mais”. Quanto poder essa frase guarda!
Fora que ele tinha uma incrível capacidade de transformar dor e sofrimento em música e poesia. Seja um “simples” medo de avião até o medo de entrar na própria solidão e encontrar, lá dentro, escondido num porão, um fantasma que não desejava trazer a tona para sua vida.
Bel também desenhou a crueldade xenofóbica que passou por ser um nordestino tentando um lugar ao sol no Sudeste e tenho certeza que muitos que migraram se identificam com Fotografia 3x4. Na canção, ele descreveu o preconceito desde o ato de um policial rir do nome de sua cidade até a dor de ter que dormir na rua. Ainda conseguiu escrever que é justamente na dor que se descobre o amor, a alegria e a certeza de que há coisas novas para dizer e viver.
Depois que você começa a ler Belchior, não só ouvi-lo, acho que tudo bate de outro jeito dentro de você. Acho que foi o que aconteceu com Elis Regina. Já reparou no poder das letras que ela escolheu para o seu álbum Falso Brilhante, de 1976?
O Brasil vivia tempos de chumbo com a ditadura militar e Elis escolheu Velha roupa colorida - uma contundente crítica política que grita por mudanças, por um futuro urgente, pelo fim a um passado que não nos cabia mais - e também Como nossos pais, clássico da música brasileira. Versos como “viver é melhor que sonhar” e “é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem” fazem dessa canção quase um hino nacional, um mantra social.
Sei que sou suspeito para falar sobre, porque sou fã declarado do famoso rapaz latino americano, mas é que Belchior era mesmo um gênio atemporal. Não importa a época que se escute, suas músicas ainda farão sentido, porque ele não escreveu sobre uma época, um momento, ele escreveu sobre o urgente, o necessário.
Belchior trazia consigo um olhar lacrimoso. Era como um galo, vivia pela beleza e pelo cantar. Enfrentou tempos difíceis, mas nunca calou-se aos acontecimentos. Foi um artista e um intelectual, letrado e inquieto, mas acima de tudo foi o que sua música anuncia: um Coração Selvagem.
Daqui, continuo me sentindo um sujeito de sorte pelo conterrâneo.
Viva Belchior! Viva sua arte e sua vida, agora na Globoplay.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor