A cultura tem prazo?

Março de 2020 foi marcado pelo início do fechamento de diversas atividades no Brasil, dentre elas, as culturais que, inclusive, passaram a ser reconhecidas como “último setor” já que, essencialmente, são atividades de aglomeração, impossibilitadas de acontecerem. Entendemos.

Na época, precisamos nos reinventar e trabalhar com a única possibilidade possível, a internet. Afinal, o artista é um fazedor do seu tempo. Mas como criar em um ambiente desconhecido? Quais as técnicas e equipamentos necessários para uma produção capaz de gerar público pagante? Como enfrentar as desconfianças da própria classe?

Como responder à pergunta que tanto reverberou no meio artístico: “Isso é arte”?

De todo modo, seguimos. Iniciamos a nova empreitada, mesmo que aos trancos e barrancos e sem patrocínios de grandes marcas, como aconteceu com artistas famosos. Fizemos. Erramos. Acertamos. Tentamos. O consumo de atividades artísticas se mostrou uma grande válvula de escape social em meio à pandemia.

Até que veio a Lei Aldir Blanc, que, sim, foi essencial para a classe, apesar de não ser a solução de todos os problemas. Acontece que essa lei só foi regulamentada pelo Governo Federal em agosto de 2020, com prazos mínimos a serem executados pelos estados e municípios. Justo em um período que se sonhava com uma retomada cultural, a chegada da vacina e as supostas quedas de infecções por Covid-19 no Brasil. O tempo era curto, mas o panorama “facilitava” a realização dos projetos.

Em fevereiro de 2021, voltamos à estaca zero. A contaminação chegou a níveis nunca vistos até então. Hospitais lotados, caos, negacionismo, falta de gestão do Governo Federal, falta de vacinas, isolamento, lockdown. Além de todas as perdas, o “último setor” ficou, mais uma vez, sem ter como trabalhar, entregues à sorte ou à oferta de ter farmácias e supermercados como palcos. Quem foi aprovado pela Lei Aldir Blanc ficou sem ter como executar seus projetos.

A Secretaria de Cultura do Ceará anunciou que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal solicitando a prorrogação dos prazos para a prestação de contas até dezembro deste ano, o que nos dá uma margem bem mais justa para a execução de nossos trabalhos, mas ainda não obteve-se respostas do STF. Enquanto isso, o prazo de entrega continua correndo.

Exatamente um ano depois do fatídico Março de 2020, nós – artistas - nos encontramos em mais um novo ambiente desconhecido. É que apesar das ferramentas digitais não serem mais novidades, a nova onda de contaminação chega ainda mais forte, violenta, letal e com variantes. E cá estamos, tentando descobrir mais uma vez como nos proteger e seguir trabalhando.

Então, me despeço desse texto, fazendo um apelo agora a Ministra Carmem Lúcia, que será a responsável pela decisão:

- Ministra, produzir arte é diferente de reproduzir modelos prontos. Projetos de criação e montagem sofrem imediatamente com as transformações sociais. Alterar a data de encerramento e prestação de contas dos projetos aprovados na Lei Aldir Blanc pode ser um processo burocrático, eu sei, mas é necessário. Não é possível estabelecer uma estrutura fixa de datas em uma pandemia. Se estamos atravessando uma nova forma de pensar e viver em sociedade, é urgente repensar prazos que nos dêem segurança: ficar em casa quando se deve ficar em casa, sair de casa quando se tem condições de proteção e de se VIVER com DIGNIDADE.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.