Durante a travessia dessa onda rosa que inunda o país com o lançamento do filme Barbie, trago aos leitores um socorro capaz de evitar o afogamento em tanto colonialismo.
É possível entender o fenômeno com a ajuda das bonequeiras do Cariri. São artesãs que tecem bonecas de pano sob a sombra de nossos telhados sem forro, alpendres e mangueiras.
Elas têm algumas palavras a dizer sobre a boneca criada nos EUA pelo casal Ruth e Elliot Handler no final da década de 1950 como forma de materializar a mulher que deixava os afazeres domésticos para ser dona do seu tempo e conquistar o seu espaço.
Se naquele país a Barbie pode ter representado um avanço sobre o patriarcado, a chegada dela ao Brasil — com o seu corpo longilíneo e cabelos loiros — teve outros significados para milhões de brasileiras que não se viam naquele ideal de beleza.
“Barbie para mim nunca foi inspiração, apenas frustração mesmo”, afirma Simony Vieira.
Atriz e professora, essa jovem bonequeira precisa ser ouvida mais atentamente, porque o seu trabalho despertou o sonho infantil de milhões de brasileiras e o dela própria.
Simony Vieira cria bonecas negras como ela. São pretas e pardas, nos detalhes: cabelo crespo, nariz e lábios grossos. Mulheres não brancas, não loiras, como são a maioria das brasileiras.
Respondendo a demandas do mercado, a Barbie foi ganhando versões com diversidade, inclusive com deficiência, mas a loira permaneceu como o estereótipo.
“Sabemos que existe a Barbie negra, mas precisamos analisar. Essa boneca é como se eles tivessem pego boneca branca e apenas pintado de preto. O nariz, os olhos são os mesmos. Não tem as características dos nossos ancestrais, nosso nariz, nosso cabelo, o formato da curva do corpo”, diz Simony.
Realmente, o formato do corpo da Barbie é tão idealizado que, se fosse realmente humana, talvez nem parasse em pé. Mas num país como o Brasil, cuja população padece de sintomas graves de colonialismo, a Barbie dobrou a aposta na exclusão.
Já houve um tempo em que assistir à TV neste país era como estar na Suécia. Hoje, com um pouco de inclusão, já estamos ficando parecidos com, ironicamente, os EUA, onde a principal apresentadora é uma preta, Oprah Winfrey. Mas estamos longe de sermos nós mesmos, pardos, negros, miscigenados em maioria, loiros em minoria.
Porém, quando se vê uma correria ao cinema de forma tão acrítica, com uma explosão de conteúdo de marketing na cor rosa, parece que os passos dados à frente no processo civilizatório carecem de firmeza.
“Como negra e como mãe de uma menina negra, que está para nascer, eu me preocupo com esse ideal de beleza”, disse Simony.
Felizmente, a brasileira que está por nascer terá para brincar bonecas feitas pela própria mãe nas quais vai poder inspirar-se de forma real, confortável e inclusiva.
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