Ainda é terra da cultura? Crato teve extinção em série de cinemas, museus e teatros

É como se houvesse uma maldição na área central do Crato. Silenciosamente, um a um, espaços culturais foram sendo desativados

Legenda: É um destino lamentável para a cidade que, até com certa razão, já se intitulou terra da cultura
Foto: Acervo pessoal

É como se houvesse uma maldição na área central do Crato. Silenciosamente, um a um, espaços culturais foram sendo desativados. Numa caminhada de minutos pelas principais ruas, é possível listar alguns. No largo da RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima), o Centro Cultural do Cariri segue sem atividades internas, apesar de o prédio da antiga estação de trem parecer preservado a quem vê de fora.

Seguindo pela rua Bárbara de Alencar, entrando na Doutor João Pessoa, encontramos o calçadão, que termina na Santos Dumont. Aqui é preciso perguntar aos pedestres mais experientes se aquela porta de madeira ladeada por estabelecimentos comerciais um dia levou ao antigo Cine Moderno, espaço que depois deu lugar ao teatro Salviano Arraes. Ali, artistas e espectadores já não entram.

Legenda: Aqui é preciso perguntar aos pedestres mais experientes se aquela porta de madeira ladeada por estabelecimentos comerciais um dia levou ao antigo Cine Moderno
Foto: Acervo pessoal

Agora, seguimos em direção ao Pimenta, bairro vizinho ao Centro. Na praça Alexandre Arraes, a do Bicentenário do Município, fica o teatro Rachel de Queiroz, também fechado. Naquele palco, a artista Divane Cabral ensinou canto a gerações de meninos e meninas. E este colunista assistiu a clássicos das artes cênicas do Cariri. Foi a principal trincheira da Guerrilha do Ato Dramático, festival de teatro que reunia grupos da região.

Voltamos ao Centro: eis a Praça da Sé. Aqui lembro quando era possível visitar a exposição permanente do antigo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), o saudoso Museu de Fósseis, fechado desde quando o órgão federal foi transformado em Agência Nacional de Mineração e teve a sede desativada no Interior.

Atravessando em diagonal a praça, podemos ver o prédio do século XVIII que todos estamos testemunhando virar ruína. Era a antiga Casa de Câmara e Cadeia, onde já foram abrigados dois museus, o Histórico e o de Arte Vicente Leite, cujo infortúnio foi narrado aqui.  

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Voltamos ao largo da RFFSA, para ver de perto o que poderia ter sido. Em frente ao restaurante popular, começaram a ser construídas duas salas de cinema. A obra parou quando as paredes eram erguidas. Tudo foi demolido. E o Crato, que já teve o Cassino, o Moderno e o da Educadora, permanece entre os municípios brasileiros sem espaço para a Sétima Arte.

Procuram-se mecenas

É um destino lamentável para a cidade que, até com certa razão, já se intitulou terra da cultura. O Crato sofre um movimento de abandono do ponto de vista cultural que pode ter três causas trabalhando juntas: o desinteresse do poder público, o desprezo da elite endinheirada e a perda da atenção de uma sociedade zumbificada pelas telas de celulares.

O desinteresse da classe política é evidente. Afinal, como explicar o investimento em concertos musicais de artistas que cobram ingressos no valor de três dígitos, enquanto as artes cênicas, as artes plásticas, a museologia e o cinema correm o risco de extinção? Ao mesmo tempo, nos últimos anos, o Crato ganhou dois equipamentos robustos: a Vila da Música, que fica no Belmonte, e o Centro Cultural do Cariri, entre os bairros Independência e Parque Recreio. Ambos os espaços têm tido manifestações culturais perenes, desde a educação até eventos de público numeroso, como o Concerto para a Chapada e o Festival Unaé.

Mas o fracasso com a cultura também é da elite econômica. Desde que compartilhei a angústia de ver o Museu do Crato perecer, diversas pessoas disseram que gostariam de pagar pela restauração. O problema é que todas elas só têm dinheiro para bancar as próprias contas e no limite. Quem realmente tem grana no Cariri sequer demonstrou um pouco de preocupação.

Vivemos numa sociedade cuja elite não quer ser mecenas, investir nas artes, o que sempre foi um papel da própria elite, pelo bom gosto que deveria ter, fruto da melhor educação, e até como forma de justificar a vida nababesca que leva. Nos EUA, é assim: quem tem dinheiro faz questão de investir em bens culturais. E não é o irmão do norte o nosso exemplo de civilização? Logo vê-se contradição nesse comportamento.

Por fim, nosso problema pode ser também geracional. Neste nosso tempo, uma pessoa que produza um retumbante nada ou coisa alguma pode ser considerada influenciadora e ter milhões de seguidores nas redes sociais. São milhões de cidadãos hipnotizados com o que acontece nas redes sociais e incapaz de olhar para o que acontece na própria cidade. Nessa disputa por atenção, a cultura mal aparece entre as preocupações. 

Aí estão algumas das razões para o beco em que nos metemos. E não é o do Padre Lauro, que nos leva das vitrines comerciais da Miguel Limaverde ao silêncio residencial da José Carvalho. É um beco sem saída mesmo.

Com a palavra a Prefeitura

Sobre os equipamentos culturais do Município do Crato, recebi as seguintes respostas da assessoria da Secretaria de Cultura do Crato:

Teatro Salviano Arraes: Será celebrada parceria entre a Prefeitura do Crato e o Governo do Estado do Ceará para a reforma completa. O Município já elaborou o projeto e aguarda reunião do Prefeito com o Governador para apresentação e acerto dos detalhes da parceria.

Centro Cultural do Araripe (RFFSA): A Prefeitura do Crato está com um projeto para reforma, que consta da recuperação do piso e da iluminação, instalação de uma Brinquedoteca e de uma Academia Popular e ainda a construção de um palco aberto com coberta, tablado e iluminação. Esse projeto já foi a licitação 3 vezes, sem sucesso na seleção de empresas de engenharia para execução da obra. Em breve, será lançada nova licitação.

Projeto das Salas de Cinema: É uma parceria entre a Agência Nacional do Cinema – Ancine, o Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura, e a Prefeitura Municipal do Crato. A participação do Município era a doação do terreno, que ocorreu. O Estado fez a licitação e contratou uma empresa que iniciou a obra. Porém, por problemas no projeto que contemplaria 10 municípios cearenses, a obra foi paralisada sem perspectiva de retorno.

Com a palavra o Estado

Teatro Rachel de Queiroz: A Secretaria da Cultura do Ceará (Secult Ceará) informa que busca por parcerias para ocupação do teatro.

Salas de cinema no Crato: Após estudos, foi constatada a inviabilidade da sequência do projeto.

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