Kauanny Alcântara tem 8 anos e assistiu, pela primeira vez, a um filme em tela de cinema. "Na creche, tinha uma telinha. Não era desse tamanho, não", diz. Ela foi levada pela avó, a dona de casa Expedita Lopes da Silva, de 53 anos, para a estrutura montada no último fim de semana na praça do CC, no bairro João Cabral, em Juazeiro do Norte, na Região Cariri, Ceará. Vó e neta divertiram-se sentadas lado a lado.
A algumas cadeiras dali, estava Melissa Giselly, de 30 anos, também moradora do bairro. "Acho muito importante porque nem todo mundo tem condição de ir ao cinema", afirma. Anônima entre os espectadores, ela é considerada a primeira mulher trans a ter o título de guerreira em um reisado.
Coincidentemente, o bailar e o jogo de espadas logo seriam estampados na telona, capturando a atenção de Melissa. É uma das cenas do filme que abriu a sessão: "Pequenos Guerreiros", de Bárbara Cariry.
A primeira obra da filha do consagrado cineasta Rosemberg é um road movie que começa no litoral e tem como destino o sul do Ceará. Conta a aventura de um casal, seu filho único e dois amigos dele. A missão é visitar o Cariri para conhecer o mestre Aldenir Aguiar, do reisado Reis do Congo, um dos principais mestres de cultura vivos.
O filme foi todo rodado em 2019, antes da pandemia, predominantemente em cidades do Cariri. "Eu sou uma fortalezense com muitas raízes no interior do estado. Passei a vida indo para o Crato, Juazeiro do Norte, Farias Brito, Santana do Cariri, com os meus pais. O filme é uma homenagem a essa infância generosa, bonita, que algumas crianças podem ter", afirma Bárbara.
Assim como os dois filmes "Cine Holliúdy", "Pequenos Guerreiros" está sendo exibido dentro do projeto Cine Bom de Praça, das empresas de saneamento Ambiental Ceará e Ambiental Crato. À exceção de Juazeiro do Norte, todos os outros municípios não têm cinema.
Em Farias Brito, terra de Rosemberg, mais de 2 mil pessoas foram ao estádio municipal. Em Santana do Cariri, os espectadores aplaudiram mais de uma vez, quando viram as cenas gravadas no Pontal da Santa Cruz e também na praça que tem uma réplica de dinossauro.
"A comoção foi muito legal, porque as pessoas se sentiram identificadas com o que passava na tela", disse Carolina Serafim, diretora de relações institucionais da Ambiental Ceará.
Tem saudade do Cariri?
Para quem ama este torrão no miolo do sertão e está vivendo em outras paragens, o filme de Bárbara Cariry é uma oportunidade de matar a saudade. O Cariri foi filmado generosamente. A tomada do cortejo do pau da bandeira de Santo Antônio, que usou três câmeras, tem cenas fascinantes.
Uma cena que me marcou foi a chegada da família no seu jipe à praça da Sé, no centro do Crato. Lá no canto no vídeo, apareceu a antiga Choupana, um símbolo da boemia cratense, hoje transformado em agência bancária.
O filme também guarda referências com obras que marcaram a juventude de todos que hoje temos mais de 35 anos, uma infância compartilhada entre milhões de brasileiros graças a outra tela, a da TV.
A cena dos amigos visitando o museu de paleontologia de Santana do Cariri, por exemplo, foi claramente inspirada em "Curtindo a Vida Adoidado".
Há também inspiração em "Meu Primeiro Amor" na tomada realizada no antigo Cine Eldorado, que foi transformado em estacionamento no centro de Juazeiro do Norte. "Filmes de Sessão da Tarde", lembra Bárbara Cariry.
Para quem ficou com vontade de assistir, o Cine Bom de Praça vai estar no centro do Crato neste dia 26, a partir de 18h. Além da entrada, a pipoca também é de graça!