A carta mais romântica do mundo fala 'dessa manhã, com ela, tomando o café'

Legenda: Fotos, presentes guardam o extraordinário. O ordinário, por sua vez, na maioria das vezes, fica apenas na memória
Foto: Pexels

Uma vez perguntaram a Johnny Cash a definição de paraíso e ele respondeu: “essa manhã, com ela, tomando café”. Ele se referia a um momento comum com sua mulher, a quem chamava de amor da sua vida. 

Lembro que foi muito marcante pra mim. Não porque ele tinha alguém pra tomar café ou porque era um cara super apaixonado ou o que seja. Pra mim, soou como quão grande é a riqueza do ordinário. 

Chamo aqui "ordinário" o que não é extraordinário – o dia a dia, a vivência, as pequenas coisas da vida, essas coisinhas ordinárias que nos abrem sorrisos e passam muito rápido porque são parte do comum.

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Eleita a carta mais romântica do mundo, a carta do mesmo Johnny aí do café da manhã, ela cita, em um dos seus trechos: “Às vezes, nós irritamos um ao outro um bocado. Talvez, algumas vezes, tratamos um ao outro como garantido. Mas, de vez em quando, como hoje, refleti sobre isso e percebi o quão sortudo sou por compartilhar minha vida com a mulher mais incrível que já conheci”.

A carta mais romântica do mundo fala sobre irritação, o tratamento do outro de maneira às vezes acomodada, pois ele já está ali sempre “garantido” e fala também de, em um dia normal, um pensamento sobre o quão sortudo ele é por compartilhar essa vida com aquela pessoa. 

A carta mais romântica do mundo fala do ordinário. Do comum, do normal, do que se tem, do que se vive.

De todo o sucesso que Johnny Cash fez, sua descrição de paraíso era um café da manhã com a parceira do dia a dia, do comum. Eu, particularmente, desde que descobri a riqueza do ordinário, senti que as coisas passaram a fazer um sentido maior. 

Como se tudo isso aqui, em meu redor, tivesse um valor. Verdade que o extraordinário é bom demais, mas, acostumados a achar ele tão bom, esquecemos do quão rico é o momento de agora, ao meu redor.

O filho, que vai crescer muito rápido, hoje está aqui, na minha frente, antes de ir pra faculdade e já não me confidenciar tudo; o café que eu tomo todo dia e que um dia, talvez, não tome mais (não com as mesmas pessoas ou no mesmo lugar, da mesma maneira, o rio que nunca é o mesmo), a juventude de agora, de fazermos coisas que, daqui a uns 30 anos, já não faremos, a aposentadoria que agora permite voltar a tocar piano depois de anos parado... 

Fotos, presentes guardam o extraordinário. O ordinário, por sua vez, na maioria das vezes, fica apenas na memória. E muitas vezes vem com cheiro, sons...

A beleza do ordinário, do café com ela, do bilhete na geladeira, do jantar a dois em casa pela milésima vez, que virou um ritual mesmo que às vezes chato, e que sim, há uma beleza imensa nele. A divisão do dia num sofá velho, o único momento de dividir o dia depois de 10 horas de trabalho. O belíssimo ordinário.

Aqui me encontro, hoje, buscando, tanto quanto uma viagem dos sonhos, que sempre houve, mas agora meus olhos conseguem ver; as construções do meu ordinário e a minha descrição do paraíso.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.



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