Um livro publicado antes da pandemia, The Great Leveler, de Walter Scheidel, oferece uma perspectiva pessimista sobre o comportamento da desigualdade de renda. Tendo analisado as evidências históricas de séculos, o autor avalia que grandes reduções da desigualdade decorrem de momentos de extrema violência, de origem humana ou natural, como guerras e pandemias, e volta e meia são apenas temporárias.
Dados recentemente publicados permitem avaliar como, e em que medida, a desigualdade da renda no Brasil foi afetada pela pandemia de Covid-19 e pelas políticas adotadas para combater seus efeitos econômicos e sociais.
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Um indicador frequentemente utilizado para medir desigualdade é o índice de Gini. Apesar de ter suas limitações, o índice de Gini é muito empregado em comparações internacionais, como aquelas compiladas pelo Banco Mundial. O coeficiente varia entre 0, perfeita igualdade, quando a renda é distribuída de forma uniforme na população, e 1, total desigualdade, quando um indivíduo recebe toda a renda.
Segundo os dados mais recentes, os países mais desiguais do mundo são a África do Sul, Namíbia e Suriname, com índices de 0,630, 0,591 e 0,579, respectivamente. Já os países mais igualitários são a República Eslovaca, Eslovênia e Belarus, com índices respectivos de 0,232, 0,240 e 0,244. O Brasil é um país com desigualdade acima da média mundial, 0,518 ante 0,375.
E como o índice de Gini se comportou no país durante a pandemia? Segundo dados do IBGE, houve queda de 0,544 em 2019 para 0,518 em 2022 no Brasil. Dentre as grandes regiões, o Gini do Nordeste teve a maior redução, passando de 0.560 em 2019 para 0.517 em 2022. No entanto a região ainda apresenta o maior índice do país, ao passo que a região Sul é a menos desigual (índice de Gini de 0,458 em 2022).
Dentre os estados do Nordeste, Pernambuco teve a maior queda da desigualdade durante a pandemia, medida pelo índice de Gini, que recuou de 0,574 em 2019 para 0,515 em 2022. A segunda maior redução foi observada em Sergipe, com queda de 0,581 para 0,528 no índice de Gini. Já na Paraíba o índice praticamente não se alterou durante a pandemia, em contraste com os demais estados da região. Antes da pandemia os estados mais (menos) desiguais do Nordeste eram Sergipe (Alagoas), e em 2022 Paraíba (Maranhão) ocupavam tais posições. Considerando apenas as três maiores economias regionais, a Bahia era menos desigual em 2022, seguida por Pernambuco e Ceará.
A queda da desigualdade no Brasil durante a pandemia refletiu, em parte, o fato da população mais pobre receber maiores incrementos em rendimentos – principalmente advindos de benefícios sociais - em contraste com os mais ricos, que não tiveram um aumento de renda da mesma magnitude. No Nordeste, os 10% mais pobres tiveram um aumento de renda de 73%, liderando entre as grandes regiões, enquanto no Brasil o aumento foi em média de 57%. Já os 10% mais ricos no NE tiveram um aumento de renda de 2%, similar ao Brasil. Entre os estados do Nordeste, a renda dos 10% mais pobres cresceu mais rapidamente no Maranhão e em Pernambuco durante a pandemia, e mais lentamente no Piauí e Rio Grande do Norte.
Apesar de todo o sofrimento humanitário, o período da pandemia assistiu uma redução da desigualdade, segundo medidas convencionais, no Brasil e em particular no Nordeste. O desafio agora é manter e, idealmente, avançar nessa trajetória em condições normais.