“Por favor, se apresente”: nos últimos dez anos testemunhei o potencial de desconforto e reflexão que essa pequena frase pode evocar. Por vezes, as feições de idosos, adultos e jovens denunciavam um aflitivo ponto de interrogação: por onde começar? Em uma entrevista de emprego, provavelmente, apresentariam habilidades profissionais; diante de um júri, arrisco dizer que virtudes seriam destacadas.
Sem percebermos, os contextos nos quais estamos inseridos lapidam nossos discursos sobre nós mesmos, nossas apresentações dançam conforme a música da situação. Entretanto, quando somos convocados a compor livremente, a dançar sem coreografia, por onde começar? Não saber como se apresentar talvez seja o primeiro desconforto reflexivo de um processo terapêutico e, neste exato momento, rememoro as primeiras sessões de tantos pacientes. Creio sentir algo similar.
É o primeiro encontro nesta coluna, não nos conhecemos, me pego com as feições tomadas por um grande ponto de interrogação: por onde começar? Cogito escrever como se esta coluna já existisse há décadas, forjando intimidade, mas não me sinto confortável - relacionamentos demandam confiança e abertura para se consolidarem. Descarto esta possibilidade.
Adoto, então, um tom formal, compartilhando minha trajetória profissional e acadêmica. Assim, não preciso fingir. Parece o caminho correto a seguir. Começo um esboço: “graduação, mestrado e doutorado em Universidade Federal; inscrita na sétima pós-graduação, livro publicado e esgotado, proficiências em línguas estrangeiras...” e, rapidamente, todas as palavras se tornaram um pomposo “blá, blá, blá”, esvaziado de humanidade. Descarto esta possibilidade.
Concluo, então, que, para me apresentar, devo abordar pequenezas cotidianas, minha intimidade, meus cinco gatinhos, papos literários com meu esposo, singularidades. Entretanto, repenso: ainda é nosso primeiro encontro, é preciso tempo para nos entrelaçarmos, tempo para apresentarmos nossas vulnerabilidades sem medo de sermos subjugados, tempo para expormos nossos troféus sem pretensões de admiração. Adio esta possibilidade.
Apresentar-se é um desafio psicológico - que tive a honra de testemunhar incontáveis vezes. Nosso “eu” resulta da complexa interação de fatores biológicos, emocionais e sociais, há camadas em nós que sequer compreendemos.
A poucas linhas de nos despedirmos, recordo novamente as feições de idosos, adultos e jovens que denunciavam um ponto de interrogação após 50 minutos de sessão: “já terminou?”. Sim, nos encontramos na próxima quinta-feira.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.
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