Qual será o futuro da Música Popular Brasileira?

Diante tantos produtos que insistem em fazer sucesso, ainda existem tesouros submersos dentro do cenário musical do país

Legenda: Álbum de Criolo em parceria com Milton Nascimento mostra a perpetuação da Música Popular Brasileira
Foto: Fred Siewerdt / Divulgação

O dito popular “ninguém é insubstituível” pode caber em vários parâmetros da vida, mas na arte jamais ! Assistimos quase diariamente artistas pedindo ajuda para sobrevivência já que seguem esquecidos do grande público, mesmo assim suas obras sólidas seguem caminhando junto da história popular até quando essa autoria não é mencionada.

Se levarmos o exemplo da música, fico me questionando: quando teremos outras cantoras como Elis Regina, Maria Bethânia e Gal Costa? Outros compositores como Chico Buarque, Caetano Veloso e Vinícius de Moraes? Ou até mesmo outra grande voz como Cauby Peixoto, Tim Maia e Agnaldo Timóteo? A resposta é universal: Nunca ! 

“Nossos ídolos ainda são os mesmos”, já cantava Belchior. A frase, que na década de 1970 aparecia em “Como nossos Pais” na forma de protesto, hoje ecoa dentro de uma realidade inconformada temendo um futuro mais pobre. Ainda assim, compreender a efemeridade do tempo e que o “novo sempre vem” também foi nos ensinado pelo compositor cearense.

Mesmo preferindo os movimentos da música popular brasileira de décadas atrás e os achando insubstituíveis diante sua magnitude, é necessário falar do que existe de vanguarda, ouvindo-a e tentando compreender a nova realidade imposta pelo mundo que busca catarse nas artes.

Por esta interminável quarentena tenho escutado de tudo, da Rumba ao Hip Hop, vou também atentando para novas vozes, novos compositores, outras interpretações e, apesar de discordâncias, acho que ainda existe esperança para um futuro da música popular.

É necessário atenção

Apesar de não gostar muito dessas grandes competições musicais televisivas (vejo como uma eterna reinvenção dos shows de calouros da Era do rádio), talentos valiosos ainda são encontrados e já se encaminham para a lapidação. Mesmo que não sejam campeões no pálio do programa, merecem voos altos. 

O “The Voice Brasil”, como o maior programa atual deste gênero, revelou para o país duas das mais belas e afinadas vozes da atualidade. Falo do pernambucano Ayrton Montarroyos e do cearense Marcos Lessa

O primeiro, felizmente, tem a produção do brilhante Thiago Marques Luiz, um dos mais importantes nomes da nossa direção musical e se apresenta em projetos de uma sensibilidade única e irretocável. Já o cearense, apesar de merecer ainda mais visibilidade, foi feliz em suas últimas gravações coordenadas por ninguém menos que Roberto Menescal.

Ayrton
Legenda: Capa da 'Live – João Gilberto e a revolução da bossa nova', de Ayrton Montarroyos
Foto: Reprodução

Ainda que apresentem músicas já gravadas por muitos, acrescentam certo ineditismo em suas interpretações. Montarroyos vai do brega ao xote com um cantar singelo, elegante e conquistador. Lessa caminha beirando o sorriso entre as notas e leva um ar entusiasmado na voz.

Tratando de vozes femininas encontramos a potente Daíra, maior intérprete das músicas do já mencionado Belchior. Falando nele, Ana Canãs também interpretou o artista e é um exemplo de personalidade que deve ser vista como referência entre os contemporâneos. O Brasil é um país de cantoras e dentro desta nova safra podemos citar automaticamente as maravilhosas Roberta Sá, Tiê e Maria Gadú.

Até o duo Anavitória tenho escutado e, embora possua inúmeras ressalvas com relação ao canto, as letras chamam atenção como o meigo e profundo “Ai, amor”, no qual o eu lírico bebe da fonte “Adriana Calcanhoto” e sonha de assistir o regresso de quem ama para seus braços.

Novas vozes, velhos ritmos 

Dentre os novos compositores, citar o Criolo é inevitável. Um dos preferidos do Chico Buarque, o paulista sabe o que faz e muito bem. Em trabalhos irretocáveis, inclusive com o gigante Milton Nascimento, o Criolo Doido, como era chamado, evoca o universo e seus astros para dizer que “Não precisa morrer para ver Deus”. Linhas fortes !

Tiago Iorc e Vitor Kley são outros galãs que fazem sucesso em estilos distintos e despojados. Vale parar e ouvir algumas músicas deixando embarcar na onda que, por vezes, atravessa dias de sol ou noites nubladas.

Tantos outros nomes eu queria mencionar nessa lista de jovens músicos que merecem ser ouvidos (ainda que alguns com ressalvas). Silva, Bárbara Sena, Baco Exu Blues, Lídia Maria, Marcelo Jeneci e muitos outros plurais e diversificados talentos por esse Brasil. Tem para todo gosto e estilo.

Vou desfazendo das minhas palavras iniciais descrentes de futuro para a nossa música e admitindo que há muita coisa ainda por ser explorada, principalmente pela grande mídia, ainda há esperança de que um novo possa vir. 

Mais contestatório? Romântico? Lírico ? Não se sabe! A certeza é que, por hora, embora cantada em outras vozes, a música popular brasileira (que jamais pode ser vista como nova ou velha) ainda impera seu requinte, versatilidade e plenitude.