No último domingo, o Brasil perdeu Tom Veiga, a voz e a inteligência que interpretava o boneco “Louro José”, um dos personagens marcantes da televisão brasileira durante mais de vinte anos. Sua ida precoce me fez pensar em quantos coadjuvantes que adentram as nossas casas por meio dessa tela mágica e viraram nossos conhecidos, amigos íntimos, até sem nunca termos, sequer, os encontrado pessoalmente.
Dentro desse mesmo pensamento, recebi a feliz notícia que chegou nas plataformas digitais um novo álbum do grande músico paulista Rubens Antônio da Silva. Não o conhece? Impossível! Esse é o nome de registro daquele que ficou conhecido como Caçulinha, figura marcante da música brasileira e também da TV.
O apelido, que veio de um tio, marca gerações. Caçulinha, com seu acordeon ou piano, fez trilha de apresentações televisivas que se perpetuaram no tempo. Fez parte, por exemplo, do programa de auditório “Domingão do Faustão” por quase trinta anos, depois virou companheiro fiel de Ronnie Von no noturno “Todo Seu”. Na verdade, se puxarmos no tempo, o músico entrou na televisão pelas mãos de Elis Regina, no sofisticado “Fino da Bossa” e da vida dos telespectadores não saiu mais.
Mesmo conseguindo popularidade na TV, o piracicabano é um dos músicos mais completos do país. Multi-instrumentista e também compositor, Caçulinha segue em atividade e lançando um trabalho versátil, repleto de participações de grandes nomes do cancioneiro popular, que vai da seresta ao samba com um talento admirável.
“Caçulinha - 60 anos de música” foi gravado há exatamente um ano, no Teatro Itália, em São Paulo. A previsão de lançamento seria em março de 2020, quando o músico completou oito décadas de vida e versatilidade. Infelizmente veio a pandemia, e, por essa razão, o álbum saiu com certo atraso, somente em outubro, mas nada que tirasse seu brilho de trazer de volta ao mercado fonográfico esse grande artista.
80 anos comemorados em grande estilo
Lançado pela gravadora Kuarup e sob a produção de Thiago Marques Luiz, um dos mais competentes de sua geração, o show recebeu nomes como Sérgio Reis, Wanderleia, Daniel, Ayrton Montarroyos, Claudette Soares, Simoninha, Agnaldo Rayol, dentre outros. Todas as interpretações, que seguem o acompanhamento do piano ou acordeon do “Caçula”, carregam um ar comovente, dolente e cativo, até mesmo no animado medley “Na Cadência do Samba / Atire a Primeira Pedra / Ai que Saudade da Amélia”, interpretado junto do Thobias da Vai-Vai.
Do álbum, somente uma gravação não fez parte do show e essa foi genialmente escolhida para ser a primeira faixa do trabalho. “Contrato de Separação”, autoria de Anastácia e Dominguinhos, recebeu o registro vocal de Mônica Salmaso antes do espetáculo, ainda no ensaio, por motivos de agenda da artista. Mônica segue a escola de canto da Nana Caymmi, e sendo assim a música não poderia ser diferente: lhe caiu como uma luva dedilhada no acordeon chorado do nosso decano.
Alguns singles do espetáculo já haviam sido lançados anteriormente, no entanto, quando fechamos os olhos, nos deliciamos com as 14 faixas agora bem costuradas em um trabalho necessário em homenagem ao artista que resiste ao tempo e às modernidades. O músico segue defendendo as canções genuinamente brasileiras tocadas pelos regionais de outrora, sempre abdicando de ser o protagonista. Sempre generoso!
Na faixa que encerra esse registro único, e agora está disponível em todas plataformas digitais, Caçulinha relembra o Sufixo de "Sai de Baixo", um dos programas humorísticos brasileiros de maior sucesso no qual o instrumentista fez trilha resgatando a essência do teleteatro.
Essa é a prova de que os sons são eternos, e mesmo aqueles personagens, que por vezes soam como despercebidos, escreveram também nossa história afetiva.
Caçulinha continua perpetuando memórias, esculpindo alegrias, suingue e leveza, adentrando as casas e fazendo o que sabe de melhor: música! Sua longa vida é um presente para seu público fiel. Muita saúde é o que desejamos para esse grande mestre.