50 anos em 5: clássicos da música brasileira permanecem atuais meio século depois

Cinco álbuns que marcaram a história do cancioneiro popular brasileiro seguem contemporâneos cinquenta anos após serem lançados

O tempo é feroz e, por vezes, não percebemos sua velocidade. Simplesmente observamos a vida passar e a história se repete diante nossos olhos arregalados que ambicionam mudanças. 2021, pelo que tudo indica, será um ano marcado por muita luta diante uma pandemia cruel e que não dá trégua. 

Impossível que este não seja marcado pela Covid-19 e suas devastações. Daqui a cinquenta anos, como iremos lembrar de 2021? Muitos vão rememorar as máscaras, o álcool em gel, a falta de abraços, seja pelo distanciamento social como pelas despedidas vazias que anteciparam o fim de milhões de pessoas.

Provavelmente não serão boas memórias. Mas se formos remeter ao passado, cinquenta anos atrás, como o vemos? Eu nasceria algumas décadas depois, então não posso narrar minhas memórias, porém conto um pouco do Brasil há meio século atrás.

1971 marca os dez anos da despedida do presidente mineiro Juscelino Kubitschek, da sua maior criação, Brasília. O que poucos previam é que uma década depois quem estaria no poder seria um governo militar e ditatorial, na época gerido pelo General Emílio Garrastazu Médici, um dos governantes mais “duros” do regime.

Ainda na política, foi no dia 16 de janeiro de 1971 que o embaixador da Suíça no Brasil, Giovanni Enrico Bucher, foi libertado após dias de sequestro pelo grupo guerrilheiro de esquerda Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Sua soltura foi moeda de troca  para o livramento da cadeia de 70 prisioneiros políticos.

Trazendo para assuntos mais leves, porém dolorosos para o “país do futebol”, foi em julho de 1971, após empate com a Iugoslávia no Maracanã, o Rei do Futebol, Pelé, se despediu da seleção brasileira, caminhando assim para a eternidade como o melhor nos campos. Aliás, foi também no estádio carioca que em dezembro o Atlético Mineiro viria a conquistar se primeiro campeonato brasileiro de futebol, após vencer do Botafogo por um gol.

Claro, como esse espaço é estritamente musical, não podemos fugir do assunto e para contar a história do cancioneiro popular deste período usaremos cinco álbuns que modificaram o nosso meio musical. Mesmo sabendo que toda lista é ingrata, pois sempre é esquecido alguém, ouso separar estes discos que, sem qualquer dúvida, retratam o “Brasil de 1971”.

Construção (Chico Buarque)

Construção
Legenda: Álbum de autoria do compositor Chico Buarque de Holanda
Foto: Reprodução

Jamais poderia começar essa lista sem um dos mais importantes registros fonográficos brasileiros de todos os tempos. Há Cinquenta anos, Chico Buarque de Holanda, se perpetuaria como um dos maiores compositores da história por meio do longplay Construção lançado pela gravadora Philips. O disco mostra toda a genialidade do então jovem revolucionário. 

Em cada faixa, e com maestria, Chico mostra seu olhar forte, melancólico, questionador e multifacetário que iria marcar sua vida. A música título do álbum "Construção", segue sendo louvada e atualíssima. De versos de métricas alexandrinas, e repetições rítmicas das palavras, a música se constrói com proparoxítonas e narra a história do operário brasileiro, pai, marido, cidadão, que em diferentes fins morre por negligência da elite.

Na emenda de “Construção” surge a música de oposição melódica e também complementar “Deus lhe pague”, outro grito de alerta criticando a política vigente no Brasil. Todas as faixas merecem um olhar especial dentre elas cito “Minha História”, “Valsinha”, “Samba de Orly” e “Desalento”.

Para finalizar e convidar a você leitor a ouvir Construção (1971), no disco, Chico Buarque consagra a parceria com Vinicius de Moraes e Tom Jobim na música “Olha, Maria”, uma das letras mais lindas e sofisticadas do cancioneiro deste país. Escute e tente não se emocionar. Impossível !

London London (Caetano Veloso)

London London
Legenda: Álbum "London London" é um marco na carreira de Caetano Veloso
Foto: Reprodução

Ainda no clima revolucionário e repleto de saudade do Brasil, Caetano Veloso lança o álbum London London, também pela Philips. O título já narra a tristeza do baiano exilado em Londres, capital da Inglaterra, que exalta sua saudade de casa, além do desejo triste, e meio desesperançado por justiça.

Com sete faixas, o filho da Dona Canô, compõe com perfeição no inglês, mas sem esquecer a essência do recôncavo quando afirma querer voltar para a Bahia, no meio de “If You Hold a Stone”, além dos versos de “Marinheiro Só” que vaga feito coro na música.

A primeira faixa do disco, “A Little More Blue”, já mostra toda a tempestade solitária do artista, assim como a própria “London London” que inclusive dá nome ao trabalho. “Maria Bethânia” e “In The Hot Sun Of A Christmas Day”, também fazem parte do magnífico trabalho.

Para encerrar com chave de ouro, Caetano “invoca” a Asa Branca de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, porém em outro tom. Agora parece rogar não pelo Nordeste, mas por um Brasil seco, de sociedade morta. A faixa foi lançada também em compacto promocional do “Pasquim” junto de “Mucuripe” cantada por Belchior, e composta pelo cearense em parceria com Raimundo Fagner.

Ela (Elis Regina)

Ela Elis
Legenda: Longplay "Ela" estrelado pela cantora Elis Regina
Foto: Reprodução

“Ih! Meu Deus do Céu” é a primeira faixa do magnífico “Ela”, estrelado por Elis Regina. O álbum de onze faixas inclui canções imortais como a popularíssima “Madalena” de Ivan Lins e a belíssima “Estrada do Sol”, de Dolores Duran e Tom Jobim, em uma roupagem moderna e ousada.

O brilho dolente de “Ela”, parceria de Cesar Costa Filho e Aldir Blanc, só perde o esplendor histórico para “Black is Beautiful”. Música dos irmãos Valle, a canção altamente contestadora foi acusada pelos censores da ditadura a fazer referência ao movimento dos “Panteras Negras”. Mesmo negado pela cantora, o problema já havia brotado.

A “Pimentinha”, como era chamada no meio artístico, ainda registrou no álbum duas músicas de Caetano, “Cinema Olympia” e “Os Argonautas”. Gravou também frutos da sua parceria preferida: Paulo César Pinheiro e Baden Powell. Eram “Falei e Disse” e “Aviso aos Navegantes”.

A Phillips mais uma vez acerta em cheio lançando “Ela”, álbum irretocável, daquele que sempre será a maior cantora do Brasil. Viva Elis! E escutá-la é reviver todo esplendor e grandiosidade da nossa eterna voz.

Tim Maia 1971 (Tim Maia)

Tim 71
Legenda: Tim Maia 1971 foi uma marco na música com o lançamento do Soul
Foto: Reprodução

Mesmo com as frustrações de um regime ditatorial no comando do país, a década de 1970 também abriu espaço para novos sons e artistas que marcariam para sempre o estilo do nosso cantar. Vale lembrar que há uma relação de interdependência cultural com o Estados Unidos. Surgiam as discotecas, a popularização do rock e, claro, o Soul.

Representando esses novos ritmos, e principalmente, esse último estilo. Em 1971, o jovem da periferia Tim Maia lança o seu segundo álbum fonográfico e que o consagra como uma das maiores vozes (e ídolos) brasileiros.

Inevitavelmente seriam sucessos as brilhantes “Não quero dinheiro” e “Você”, produtos que marcariam para sempre sua carreira, mas precisamos de um ouvido aguçado para entrar na onda do gigante Tim

O cantor versátil vai do baião de “A Festa do Santo Reis” e “Salve Nossa Senhora”, a sofisticadíssima “Preciso Aprender a ser só”. Lançado pela pela gravadora CBD-Philips, através do selo Polydor, Tim Maia 1971 gozou de uma vitalidade livre de amarras e sem poupar o vozeirão. 

Clara Nunes (Clara Nunes)

Clara 1971
Legenda: Álbum que Clara Nunes lançou um dos principais sucessos "Ê Baiana"
Foto: Reprodução

Para encerrar essa lista com certo saudosismo e alegria convoco Clara Nunes que há cinquenta anos dava seu nome para disco lançado pela Odeon Records. Nele a cantora resgata um país cheio de som e força, mas que também não perde a leveza, tão pouco esquece das origens plurais.

“Ê Baiana”, um de seus grandes sucessos aparece no disco, mas não é exclusividade na expressão miscigenada no trabalho. Músicas como “Aruande...Aruanda”, “Puxada da Rede do Xaréu” e “Misticismo da África ao Brasil” mostram esse canto afrobrasileiro, repleto de vida, de sangue e de luta. É uma viagem no tempo, em páginas importantes da origem brasileira.

Ainda na mesma batida, Clara Nunes se apresenta cantando a genial “Meu Lema”, “Rosa 25” e "A Favorita”. A alegria suave de seu balançado transparente da sua voz. Por momentos, o ouvinte pode fechar os olhos e sentir em alguns finais de versos que a intérprete sorrir ao cantar. isso ocorre em “Sabiá” de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.

Daqui a cinquenta anos não sei como 2021 permanecerá vivo na nossa lembrança, mas 1971, sempre será cantado e contado por Clara, Tim, Elis, Caetano, Chico e tantos outros que ritmam o Brasil. Música é sempre passado, presente e futuro. O que é bom nunca morre e nem envelhece. Salve nossos artistas populares !