Foi-se o tempo no qual, como constava na genial parceria de Ednardo e Augusto Pontes, um cearense ansiava que amanhã desse carneiro para ir embora para o Rio de Janeiro. As coisas não vêm mais de lá. E nem existem mais os tais videoteipes e revistas supercoloridas — fato que, convenhamos, mesmo a menina meio distraída já haverá de ter notado.
Prova disso é a novíssima literatura cearense, safra fértil de escritoras e escritores que tem despontado, nos últimos anos, a partir do — e no — próprio Ceará. No passado tivemos Adolfo Caminha, Domingos Olímpio, José de Alencar, Oliveira Paiva e Rachel de Queiroz, entre tantos outros criadores de relevo e reconhecimento nacional.
Agora assistimos a uma geração literária emergente, seguindo a trilha e abrindo os próprios caminhos numa senda já palmilhada, mais recentemente, com talento e notoriedade, por linhagens que vão de Moreira Campos a Ana Miranda, de José Alcides Pinto a Floriano Martins.
Entre os novíssimos, desponta Socorro Acioli, cujo romance “A cabeça do santo”, publicado em 2014 e com traduções para o inglês e o francês, é um dos marcos inaugurais do fenômeno. Junta-se a ela Tércia Montenegro, que, com sua prosa elegante, arrebatou o prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional, por “Turismo para cegos”, eleito melhor romance brasileiro de 2015.
Em 2018, Mailson Furtado implodiu a lógica da mais tradicional premiação literária brasileira, ao vencer o Jabuti de melhor livro do ano com “À cidade”, volume de poemas, em edição independente, lançado na interiorana Varjota, com tiragem de apenas 300 exemplares.
Jarid Arraes ficou com o prêmio de melhor livro de contos de 2019, eleito pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), com “Redemoinho em dia quente”, histórias focadas nas mulheres caririenses.
A lista acaba de ganhar ainda mais substância com “Os tais caquinhos”, novo livro de Natércia Pontes, que em 2012 já havia lançado “Copacabana Dreams”, pela Cosac Naify. E todos aguardamos com expectativa “A palavra que resta”, romance de estreia de Stênio Gardel, escrito nos Ateliês de Narrativa ministrados por Socorro Acioli.
Dois feitos chamam a atenção no conjunto. Ao contrário de tradição peculiar à literatura cearense, todos os citados vêm construindo as respectivas carreiras à margem de grupos e confrarias literárias. E expressam as mais variadas dicções, temáticas e gêneros. Da prosa à poesia, das influências do realismo mágico aos retratos do cotidiano; da revitalização regionalista à ambientação urbana.
‘Que Deus salve todos nós’, ouço Ednardo cantar.