Depoimentos de governadores e ex-ministro reabrem debate sobre prisão de testemunha em CPI

Especialistas atestam que é possível senadores darem voz de prisão a um depoente, mas expediente ocorre raramente

Legenda: Desde o início dos trabalhos, a possibilidade de prisão dos depoentes tem sido debatida entre os parlamentares

A CPI da Pandemia entra em uma fase que se aproxima da atuação dos Estados, mas também retoma depoimentos como o de Eduardo Pazuello, reconvocado. A possibilidade de depoimento de governadores e o novo chamamento ao ex-ministro reabrem outro debate: pode um depoente, na condição de testemunha, sair preso em flagrante de um depoimento em CPI? 

A discussão sobre o assunto veio à tona após os primeiros depoimentos em que ex-integrantes do governo demonstraram ter entrado em contradição durante a sabatina com os senadores.
 

No depoimento do ex-secretário de Comunicação do Planalto, Fábio Wajngarten, o relator da Comissão, senador Renan Calheiros, chegou a solicitar a prisão do depoente, possibilidade que foi negada pelo presidente Omar Aziz. 

A coluna ouviu especialistas que têm visão convergente sobre a questão jurídica: Os advogados Leandro Vasques e André Costa e o defensor público Emerson Castelo Branco.  

Em resumo, conforme detalha a lei 1.579/52, que regulamenta o funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito, é possível, sim, uma CPI decretar a prisão de um depoente que tenha mentido aos parlamentares.  

Na condição de testemunha, o depoente é obrigado a falar a verdade sobre o que for perguntado, com a exceção em relação a informações que possam vir a gerar provas contra si. Neste caso, em que a testemunha poderia passar para a condição de investigada, ela pode silenciar para não gerar provas contra si. 

Para além da questão jurídica, existe a discussão política. A visão dos especialistas é que para justificar a prisão em flagrante, o depoente precisa ter dito uma mentira “induvidosa”, ou seja, tem que ter sido clara e inconteste. E exatamente neste ponto que mora a polêmica política: no meio de um depoimento, é possível provar que o depoente mentiu? 

A CPI mantém o seu poder de prender em flagrante – o crime prevê pena de 2 a 4 anos de prisão -, mas essa possibilidade precisa ser vista com cuidado e raramente deve ser usada por conta das nuances dos trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. 

Confira a análise dos especialistas 

Leandro Vasques 

Advogado Leandro Vasques
Legenda: Advogado Leandro Vasques, que representa a família da médica, afirmou que espera uma justa condenação
Foto: Kid Júnior

Comete crime a testemunha que faz afirmação falsa, ou nega ou cala a verdade, perante Comissão Parlamentar de Inquérito. É o que prevê o artigo 4º, inciso II, da Lei nº 1.579/52. No entanto, esse enquadramento não deve se aplicar a toda e qualquer pessoa e em relação a quaisquer indagações ou respostas que se verifiquem nos trabalhos da comissão. A discussão sobre o tema gira em torno do princípio da não autoincriminação, pelo qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.  

Assim, em CPI ou em qualquer procedimento policial ou judicial, se as perguntas e as respostas puderem vir a incriminar a pessoa que está sendo ouvida, naquele contexto, ela não apresenta exatamente a condição de testemunha, mas de investigado, razão pela qual lhe é garantido o direito ao silêncio. 

Da mesma forma, se o indivíduo presta esclarecimentos em uma comissão parlamentar de inquérito na condição real de investigado, podendo oferecer informações que lhe incriminem, entendem a doutrina e a jurisprudência que, nesses casos, não se verifica o crime de falso testemunho. Por outro lado, permanece a obrigação de dizer a verdade sobre fatos específicos que não possam incriminá-lo. 

André Costa 

Advogado André Costa

Tanto a Constituição como a lei 1.579/52 garantem o poder de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito. As testemunhas, uma vez convocadas pela CPI, não podem faltar e nem mentir, têm o dever constitucional de falar a verdade.

É legal decretar a prisão de uma testemunha? Sim, mas pouco acontece. Do ponto jurídico, é crime o falso testemunho. Há, entretanto, um impasse jurídico em relação a isso. Quem vai comprovar que há um falso testemunho? Tem uma dificuldade prática nisso. Se ele mentiu ou não mentiu, tem que haver ao processo.

Há questionamentos porque os elementos naquele momento são superficiais. O presidente da comissão vai decretar uma prisão em flagrante com esses elementos? O que tem sido feito é enviar o caso ao Ministério Público.

Entretanto, se uma CPI não mostra que tem autoridade, que pode prender por falso testemunho, reduz o peso institucional da Comissão, isso esvaziaria as CPIs. Eu defendo a manutenção do poder (da CPI) de decretar a prisão de testemunha, se for comprovado, mas tem que usar com muita moderação.  

Emerson Castelo Branco 

Defensor Público Emerson Castelo Branco

A pessoa que mente em CPI não comete crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal. Comete um crime específico, configurado no parágrafo 4º da lei 1.579 /52. Como a pena é de reclusão de 2 a 4 anos, admite prisão em flagrante.  

Mas é preciso fazer uma ressalva. Não se pode prender a testemunha em flagrante se, mesmo na condição de testemunha, alguma informação que ela venha a dar gere provas contra si. Algumas informações podem fazer com que ela saia da condição de testemunha para investigada. Nesse caso, ela pode mentir e não ser presa. 

Pra ser preso, é preciso que se prove que a testemunha mentiu para proteger alguém. Se ela mente ou se cala, aí sim. Se ela mentir, ela não só pode como deve ser presa. 

Faria uma ressalva final: para que haja prisão em flagrante é necessário que o falso testemunho seja “induvidoso”, ou seja, precisa ser claro. Não pode ser uma conjectura. Tem que ser uma mentira que a testemunha não poderá contraditar. Não pode ser algo duvidoso ou que conste apenas uma “fumaça da mentira”.