Um gesto supremacista de cada vez

Parece que já faz muito tempo, mas foi quarta passada, dia 24, durante sessão do Senado Federal do Brasil, que um assessor especial de Jair Bolsonaro, Filipe Martins, fez um gesto supremacista, usado por grupos de extrema direita como os Proud Boys e identificado como representação do White Power. 

Está filmado. E nas filmagens fica claro, ao contrário do que esse exemplar de racista latino diz, que ele não estava fazendo um gesto para ajeitar a lapela, ou um sinal de “ok”, como seus defensores no Twitter dizem.

Está lá, muito claro, para quem quer ver: ele fez um sinal supremacista e repetiu algumas vezes. Até a data em que escrevi esse artigo, ficou por isso mesmo. Talvez até esse rapaz saia do governo, mas a pergunta é: por que ele entrou no governo?

Parece que faz muito tempo, mas, em 16 de janeiro de 2020, o então secretário especial da Cultura do Ministério do Turismo, Roberto Alvim, publicou vídeo institucional em que parafraseia trechos de um discurso feito a diretores de teatro em 1933 por Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha Nazista. Trechos inteiros do mesmo discurso, música de Richard Wagner, mesma estética, com cruz, foto do supremo comandante... 

Está gravado, você acha no YouTube, também não há como negar. Ele até saiu do governo depois dessa, mas antes já tinha mostrado desprezo à diversidade cultural, ofendido consagrados artistas da brasilidade, chamado Fernanda Montenegro – uma unanimidade brasileira - de sórdida, dentro outros achincalhes com os quais estamos nos acostumando no atual momento. Pergunta-se: por que ele entrou no governo?

Por que nomes tão extremistas e negacionistas como Weintraub, Ernesto Araújo, Ricardo Salles e Damares foram ou são ministros de Bolsonaro? Porque os radicalismos de Daniel Silveira, Sara Winter, Ana Paula do Vôlei e Constantino são bem recebidos, estimulados e até defendidos? Por que o governo tolera e até professa o negacionismo e conspiracionismo? 

A resposta: para que nos acostumemos, aos poucos, com a visão extrema e conspiracionista que já comanda o País e piora a cada dia. 

Os eventos acima, e muitos outros, como o do copo de leite, nos colocam dentro da chamada Janela de Overton, comprovando a teoria segundo a qual a viabilidade política de uma ideia depende principalmente dela cair dentro da janela do aceitável. São fatos que, lamentavelmente, naturalizam as ideias extremas, como que nos preparando para o pior. 

Os gracejos acima referidos são verdadeiros exemplares de Dog Whistle (apito de cachorro), tida em teoria política como uma mensagem política em código, que parece significar nada para pessoas comuns, mas com significado específico e importante para um subgrupo, que pode se comunicar e se fortalecer sob o manto da desfarçatez. Explicando a metáfora da teoria, apenas cães escutam o apito.

Nas minhas pesquisas, socorri-me da obra "Tempestade Ideológica - Bolsonarismo: A Alt-right e o populismo i-liberal no Brasil" da pesquisadora Michelle Prado, de direita, mas atualmente perseguida pelo bolsonarismo. E, veja só, a obra já falava do tal de Filipe Martins, aquele do símbolo do White Power: que ele já propalava que "a nova era chegou" e "Deus vult!" no dia da posse de Jair Bolsonaro. 

Segundo Michele Prado, "Deus Vult" e "A Nova Era" já eram expressões compartilhadas na bolha virtual da direita, que usa mais símbolos e slogans específicos do que discursos que deixem em evidência suas reais intenções e visões de mundo. 

Já a premiada Cynthia Miller-Idress, estudiosa do extremismo e da radicalização, também citada pela Professora Michele, explica que "o uso de códigos globais e referências é onipresente em cenas e subculturas de extrema direita", e que "a camada de ironia" visa “criar ambiguidade e evitar acusações de racismo ou nazismo”. 

Se alguém faz um gesto racista e depois diz que não era nada, saiba que isso é método do Fascismo do momento.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.