Isso de políticos locais - alguns deles que nem eram ou não pareciam ser tão radicais - engrossarem as hostes do bolsonarismo surpreende, mas não é exatamente uma coisa nova. Aderir ao radicalismo da moda encurta o caminho de alguns e até projeta quem nunca teve chance eleitoral.
Estudando as obras dos cearenses João Rameres Régis (Legionários, “Galinhas Verdes” e a política no Ceará 1929-1940), João Alfredo Souza Montenegro (O Integralismo no Ceará: variações ideológicas) e Josenio Camelo Parente (Anauê - Os Camisas-Verdes no Poder), fica claro que, já na época do integralismo, houve um processo de harmonização deste movimento com a cultura política do Ceará, bem como o uso da nova ideologia para salvação eleitoral de alguns quadros políticos em declínio.
E o que foi o integralismo brasileiro? Surgido nos anos 1930, com Plínio Salgado como líder e ideólogo, foi um movimento político inspirado no fascismo italiano, com vestimentas, métodos e ativismo peculiares, autoritário, antiliberal e antissocialista, com forte discurso anticorrupção, de retorno a um passado idealizado, nacionalista, moralista, conspiracionista e de violenta oposição e rótulo às discordâncias. Semelhante ao Salazarismo, Franquismo, Nazismo e ao próprio Fascismo – ideologias daquele tempo -, dizia-se na missão de livrar o Brasil do comunismo. Apenas alguns de seus membros eram declaradamente racistas e antissemitas, mas nenhum racista e antissemita era contra o integralismo, o que demonstrava, já naquele tempo, a atração de toda uma súcia de hipócritas.
Os que aderiram a esse movimento vinham de vários lugares diferentes, e, muitas vezes, sem qualquer identificação com o autoritarismo: filhos de fazendeiros, operários ou coronéis, todos se apresentando ao eleitor como uma alternativa à “degeneração” da sociedade.
Quando o integralismo foi finalmente tido na história como um erro, sobretudo após o desprezo de Getúlio Vargas e as derrotas impostas a Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, raro foi encontrar aqueles que, no futuro, admitiram ter participado; alguns, mais corajosos, diziam que faziam parte de uma ala moderada dos camisas verdes (como também eram chamados).
A viabilidade eleitoral também é, hoje, a maior justificativa da conversão de novos bolsonaristas. Um exame superficial nas bancadas parlamentares cearenses demonstra que, em tempos comuns – leia-se: tempos sem uma ideologia autoritária na moda – alguns quadros jamais teriam sido eleitos. Hoje não há uma contraposição entre direita e esquerda, estatismo e liberalismo, progressismo e conservadorismo: na verdade há uma contraposição entre 1. política (com seus conhecidos acertos e defeitos), de um lado, e, 2. de outro lado, conspiracionismo, negacionismo científico e revisionismo histórico. Um eleito local me disse que não há escolha: ou é isso de apoiar o “mito” ou o abandono à própria sorte, com provável desaparecimento político, uma vez que seu nicho eleitoral é, atualmente, bastante identificado com o direitismo radical, cooptado que foi pela indústria de desinformação que lhe é peculiar.
A viabilidade política – que não necessariamente é eleitoral – também é algo atraente ao novato. Um cargo no executivo para alguém sem a menor qualificação não é algo exclusivo do bolsonarismo, mas salta aos olhos nesta época de Sérgio Camargo, Weintraub, Damares, Ernesto Araújo e ministros interinos da pandemia. Vale lembrar que existem hoje 10.344 cargos e funções de Direção e Assessoramento Superior (DAS) na Administração Pública Federal, em que qualquer pessoa que não seja funcionário público pode atuar. Há também 11.378 Funções Comissionadas do Poder Executivo na Administração Pública Federal (FCPE) – aquelas em que
um funcionário público pode ser promovido. Todos esses dados são da Escola Nacional de Administração Pública, entidade vinculada ao Ministério da Economia. O cabide de empregos e funções também se apresenta de maneira cruzada nos poderes judiciário e legislativo, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, e a troca de favores na iniciativa privada ou em partidos políticos também entram na conta. Tudo isso sem falar da possibilidade de indicação, pelo Presidente da República, de magistrados em tribunais superiores e regionais federais. Tenho conhecimento teórico, mas conheço exemplos vários que prefiro deixar para a próxima.
A possibilidade de contratações com o governo também influencia. Segundo o Portal da Transparência, o Poder Executivo contratou, em 2020, 35 bilhões e meio de reais em serviços, materiais, bens patrimoniais, obras e outros, em diversas formas de contratação. Embora exista uma sofisticada legislação e conquanto Ministério Público e Tribunais de Contas tenham se esforçado bastante para garantir o Princípio da Impessoalidade, sabe-se que a proximidade política é capital que tem sido explorado desde sempre para contratação pública.
Por fim, Bolsonaro liberou R$ 511,5 milhões em emendas para o Congresso só em janeiro, estabelecendo novo recorde para o mês que antecedeu as eleições naquelas casas legislativas. Isso explica o motivo pelo qual há viabilidade jurídica para impeachment, mas não há vontade parlamentar.
Tendo estômago – ou identificação com as pautas, o que, honestamente, eu não acredito para uma pessoa com informação -, o bolsonarismo tem premiado seus novos adeptos, muito embora tenha causado tantos danos à nação. Resta saber se, no futuro, os bolsonaristas de hoje negarão o que disseram e o que apoiaram.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.